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Anselmo Heidrich

Defendo uma sociedade livre baseada no governo limitado e estado mínimo.

Anti-Pop

O lemingue é um tipo de roedor do norte da Europa que durante muito tempo se acreditou que se suicidava aos bandos em determinada época do ano. Era o animal perfeito para a pecha de “irracional”. Mas era pior do que isso, esse traço de comportamento é perfeitamente humano. Ao se deslocar em grupo, os indivíduos seguem aqueles que vão na frente em determinado rumo. Como são muitos se empurram jogando alguns penhascos abaixo nos fiordes. Seguir tendências irrefletidamente tem este “bônus”, pode te levar a um suicídio coletivo.

Lembro-me como se fosse hoje, estava caminhando na Av. Paulista indo para o trabalho quando um colega de pós-graduação junto aos seus segurava um cartaz da CUT e me perguntou se eu sabia de algum emprego para ele, isso lá pelos idos dos anos 90. Prometi levar um currículo, mas só fui revê-lo décadas mais tarde como chefe de dept do curso de geografia da UFSC. Ele se deu bem seguindo sua onda, mas minha consciência não me permitia fazer o mesmo.

Nisso eu me afastava cada vez mais daquele grupo e minhas leituras no boom da globalização me colocavam mais e mais na antípoda disso tudo. Acho que por volta de 2003 comecei a escrever no Mídia Sem Máscara e seguia o pessoal em muitos pontos em comum, mas logo comecei a divergir em detalhes aparentemente insignificantes que para mim faziam muita diferença, pois eram sobre premissas importantes, como a separação entre igreja e estado, a moralidade da guerra etc. E foi quando dois colegas foram rechaçados por suas críticas à religião que também dei um basta naquilo tudo e pulei fora defendendo os excomungados, mas não sem ampliar minha cota de haters.

Nas redes sociais eu colecionava desafetos quando discutia geopolítica em meio aos liberais e quando me mantinha intransigente quanto à liberdade de expressão em meio aos conservadores. Pela minha atuação firme nas manifestações pelo impeachment e oposição ao PT conquistei um espaço no anti-petismo. Porém, não demorou para perceber que muitos desses não eram defensores coerentes da liberdade, mas apenas petistas de sinal invertido (olavetes, bolsonaristas, intervencionistas e até alguns “liberais”). Segui na minha e, embora o Facebook te permita deixar de seguir ou se desligar de quem te desagrada, um bom lemingue não pode desviar da rota e ser o próprio capitão de sua nau. Não! Ele quer ser aceito por ti. E o que esses QIs de roedores do frio não entendem é que eu nunca fui de seu grupo, apenas casou de traçarmos juntos parte do percurso.

Recentemente descobri que esses imbecis simplesmente não têm rigor conceitual e não entende o mais básico dos princípios liberais como a liberdade de expressão. Eles adoram desnudar as tramoias esquerdistas, mas se seu representante eleito ou ícone de justiça for pego, mais que negar, passam a te odiar por expor sua hipocrisia ou, na melhor das hipóteses, contradição não intencional.

A verdade é que a verdade não exige carteirinha de sócio em algum clubinho, mas pode evitar que se caia em algum precipício.

Anselmo Heidrich
25 jul. 19

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Fonte da imagem “montanhas”: https://pixabay.com/fr/photos/montagnes-falaise-nature-solitaire-2722673/

Post Destacado

Fragmentação dos Estados Unidos

A recente crise entre o governador do Texas (Republicano) contra o governo federal nos EUA (Democrata) tem raízes mais profundas do que um recrudescimento conjuntural das levas de imigrantes ilegais para o país. Verdade que foi desatada pelas hordas atravessando o Rio Grande em direção ao estado da Estrela Solitária, mas a indisposição em negociar vem de muito antes disto.

Peter Turchin, cientista russo intensificação da turbulência política interna dos EUA se baseia em métodos probabilísticos. Sua teoria é interessante:

Primeiro ele explica que a camada da elite na sociedade está se expandindo rapidamente, sem que sejam criadas posições para esses novos membros. Essa situação gera uma disputa no topo da pirâmide social que culmina em uma divisão entre elite e contra-elite.

Somam-se a este quadro uma classe trabalhadora com qualidade de vida em declínio e um Estado enfraquecido, insolvente e que já não consegue mais solucionar os problemas de suas sociedades.

(Cientista russo prevê que os próximos 10 anos serão piores do que 2020 #CNNBrasil | notícias da @CNNBrasil https://www.cnnbrasil.com.br/tecnologia/cientista-russo-preve-que-os-proximos-10-anos-serao-piores-do-que-2020/)

Como soa esta previsão a luz dos atuais acontecimentos no Texas?

Junte a isto tudo este outro estudo, de cientista russo que previu a secessão dos EUA em 1998:

Por Richard Conn Henry – My own work, but from Wikipedia US svg map, Domínio público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=5639796

Igor Nikolaevich Panarin[1] é um professor russo especializado psicologia que ensina políticos e diplomatas em seu país. Sua previsão, no entanto, foi bastante adiantada, para 2010, baseada em dados sobre a economia e sociedade americanas. O risco desse processo de fragmentação interna estaria no modo como ocorreria, tal como na antiga Iugoslávia, violenta. Outra possibilidade é que fosse pacífica, como na antiga Tchecoslováquia.

Apesar de afirmar não preferir o colapso americano, Panarin ofereceu indicadores de porque isto ocorreria. E já naquela época propunha uma substituição do Dólar para transações econômicas entre China e Rússia, países que emergiriam fortalecidos desta crise.

Noutra versão, os EUA seriam divididos em nove e não apenas seis nações:

A crise de 2008 foi a pior desde 1930 aumentando enormemente a dívida americana e tornando grandes empresas dependentes da ajuda federal.[2]

Agora, vejamos o que está em curso neste momento nos EUA quando a Suprema Corte do país decidiu pela retirada de barreiras no Texas de imigrantes vindos pelo México. O governador do estado texano, Greg Abbott, desafiou claramente os planos de Joe Biden, para quem o tema da imigração será central para sua tentativa de reeleger-se em novembro do ano que vem. E como não poderia deixar de ser, na esteira dessa contenda, o candidato favorito dos Republicanos, Donald Trump, já declarou seu apoio ao texano.[3]

A crise se intensificou, com governadores republicanos de 25 estados americanos declarando apoio ao Texas e com caravanas se dirigindo à fronteira.[4] A Suprema Corte decidiu que agentes federais pudessem cortar a proteção de arames, enquanto que o governo estadual autorizou que sua guarda nacional colocasse mais barreiras ao que considera uma invasão territorial devido à omissão do governo federal.

Lembrou Panarin, o politicólogo russo que vaticionou a secessão americana? Sinceramente, não creio nesta possibilidade, não para agora… Mas a crise federativa tende a se agravar sim, em grande parte devido a um processo de polarização que não é de hoje. Os EUA se configuram como um dos países mais divididos internamente de acordo com suas visões político-ideológicas.[5] Vejamos:

Os EUA têm muitos partidos, mas de alcance nacional são os conhecidos partidos Democrata e Republicano que, com o passar do tempo deixaram de ser legendas representativas de interesses regionais para catalisar visões ideológicas cada vez mais antagônicas.[6] Vejamos como isto evoluiu através dos anos:

Conclusão óbvia a partir da observação dos gráficos acima é que em apenas duas décadas os dois polos do espectro político do país se afastaram cada vez mais. O contingente intermediário, que poderia ser chamado de moderado, se torna cada vez mais restrito em relação ao crescimento dos extremos, “consistentemente conservador” que poderíamos traduzir mal e porcamente domo direita ou “consistentemente liberal” como esquerda.[7]

Estas divisões podem se agravar, não só pela radicalização ideológica, mas pelas medidas adotadas para solucionar a crise. Se empresas deficitárias ou a beira da falência encontrarem apoio no crédito do governo federal para concorrerem com estrangeiras, notadamente as chinesas, isto só agrava a crise no longo prazo. Veja que neste caso, as soluções encontradas não são necessariamente de medidas econômicas restritivas e sim expansivas, de mais gastos. Em termos econômicos, não há muita diferença entre um governo nacionalista de direita e outro mais social-democrata. O problema comum está na dívida pública dos EUA e para enfrenta-la uma ousado programa de cortes teria que ser implementado o que leva a outro problema: a redução de gastos e manutenção de seu orçamento militar, mas isto é conversa para outro momento.

Anselmo Heidrich

28 jan. 24


[1] Sobre o autor, https://pt.wikipedia.org/wiki/Igor_Panarin.

[2] Cf. https://www.forte.jor.br/2009/02/10/especialista-russo-preve-a-desintegracao-dos-estados-unidos/.

[3] Texas reforça barreiras em fronteira com México; veja vídeos https://www.poder360.com.br/internacional/texas-reforca-barreiras-em-fronteira-com-mexico-veja-videos/ via @Poder360.

[4] Cf. https://oantagonista.com.br/mundo/25-governadores-apoiam-o-texas-contra-a-suprema-corte-dos-eua-no-caso-da-cerca-na-fronteira-com-o-mexico/.

[5] Which Countries are the Most Polarized? https://www.visualcapitalist.com/polarization-across-28-countries/ via @visualcap

[6] Political Polarization in the American Public http://pewrsr.ch/1mHUL02.

[7] O que entendemos por liberal é chamado de libertário nos EUA. “Liberal” na sociedade americana se refere à agenda cultural, “dos costumes” e não ao conceito aqui adotado (econômico) que se origina na tradição europeia.


Imagem destacada: https://www.tpr.org/texas/2012-11-14/if-at-first-you-dont-secede-keep-petitioning-the-federal-government

Na Natureza Domada

Na natureza domada

Dois anos ele caminha pela terra. Sem telefone, sem piscina, sem animal de estimação, sem cigarros. Liberdade definitiva. Um extremista. Um viajante estético cujo lar é a estrada. Fugido de Atlanta, não retornarás, porque “o Oeste é o melhor”. E agora depois de dois anos errantes chega à última e maior aventura. A batalha final para matar o ser falso interior e concluir vitoriosamente a revolução espiritual. Dez dias e noites de trens de carga e pegando carona trazem-no ao grande e branco Norte. Para não mais ser envenenado pela civilização, ele foge e caminha sozinho sobre a terra para perder-se na natureza.


Alexander Supertramp, pseudônimo de Christopher Johnson McCandless 
apud Na Natureza Selvagem[1] de Jon Krakauer. McCandless foi encontrado morto por inanição na carcaça de um ônibus abandonado no Alaska em 1992.




George Reisman em Propostas para uma economia mais verde argumenta, ironicamente, sobre as metas e métodos do que considera a essência do movimento ambientalista atual: gerar empregos ineficientes graças ao intervencionismo estatal. Mas, apesar de acertadas as críticas gerais a este tipo de movimento, ele erra nos detalhes e, como se diz, o diabo está nos detalhes…


“E, finalmente, pense em todos os empregos que um programa de ‘gerenciamento’ ambiental poderia criar. Cada pedaço de deserto, cada formação rochosa, cada tufo de grama e cada tronco de árvore seria zelosamente vigiado por um ou mais ‘administradores’, cuja função seria guardar, proteger e preservar tais recursos para as ‘gerações futuras’. Para executar esse valioso trabalho, poderíamos criar várias divisões militares de ‘administradores’. Eles poderiam vestir uniformes especiais ostentando várias patentes e medalhas, todas adquiridas em decorrência de seus bravos ‘serviços prestados ao meio ambiente’ e da defesa intransigente da natureza e de seus recursos contra os humanos predadores.”

Se um recurso é guardado em definitivo, ele não tem valor para a economia. E não vejo como as futuras gerações poderiam tirar proveito disto se não puderem também em seu tempo fazer uso do mesmo. A questão não é, portanto, guardar, preservar sem que isto implique em como utilizar os recursos com menor grau de poluição. Se a maioria dos ambientalistas acha que o capitalismo é o responsável pelos impactos ambientais não é preciso um grande exercício intelectual para provar que estão errados, pois impactos gravíssimos também ocorreram no socialismo e ainda ocorrem em poucos países que ainda ostentam esta causa. Mas, se impactos de grande magnitude ocorrem em diferentes (e até antagônicos) sistemas econômicos, não deveria haver alguma dúvida sobre o encaminhamento de soluções ambientais dever se pautar com algo além da simples adoção de uma economia mais livre?

Provavelmente, se fosse hoje, uma usina como a de Itaipu tivesse imensa dificuldade em ser licenciada, mas talvez em vez de uma grande usina, tivéssemos várias menores que totalizassem a mesma capacidade energética, com o benefício de não extinguirem o Salto de Sete Quedas. Além de preservar o belo cenário, com grande potencial turístico, impactos menores têm maiores chances de adaptação (e superação) pelos ecossistemas. Se há problema na atual postura burocrática sobre a equalização entre ambiente e desenvolvimento ela está menos nos princípios adotados do que em seus procedimentos morosos.

Na Amazônia existem várias pousadas e hotéis de luxo. O que não se vê, no entanto, é a facilidade para que um turismo de baixa renda deslanche. Se parte do problema está na escassez de infra-estrutura, a falta desta impede que o mercado consumidor potencial se estabeleça e, consequentemente, desfrute do que a natureza local oferece. Malgrado, uma visão de ambientalismo aparta a maioria dos mortais da beleza cênica que poderia servir de base para alteração de padrões comportamentais envolvendo o consumo. Em termos pedagógicos, não se ensina uma criança a lidar com o perigo afastando-a deste. Por que pode se achar que uma “consciência ambiental” seria diferente, com menor acesso às áreas protegidas com valor ambiental intrínseco? Condenando uma imensa região à falta de opções, leia-se comércio, o que pode restar de alternativa de subsistência a não ser o corte de madeira, garimpo ilegal, caça de espécies silvestres ou pecuária extensiva?

Na Amazônia, as terras são abundantes e baratas, quando não, devolutas mesmo, o que pode ser obtido com o recurso do Usucapião. Apenas cinco anos e é teu, desde que 80% do terreno sejam resguardados como reserva. O que não significa que não poderá desmatar bastante, em termos absolutos, haja vista o padrão de propriedades na região: grande. A questão do uso sustentável, no entanto, não é resolvida com apenas isto. A pecuária extensiva é o melhor modelo para a região? Em minha opinião, a indústria madeireira é mais sustentável, desde que seja adequadamente gerenciada e isto não pode ser feito sem técnica. Se realmente existe preocupação com a reprodução do investimento regional deveria se perguntar como fazer para manter, permanentemente, a atividade produtiva, seja ela qual for. Há soluções para tanto, mas a simples mudança de regime jurídico de propriedade pública para privada não dá um basta nisto. Há que conhecer meios tecnológicos (nem todos sofisticados ou inacessíveis) e administrativos.

O garimpo é altamente predatório e, sem fiscalização, leva a depredação ambiental como os rejeitos que são lançados (metais pesados) nas várzeas onde os garimpeiros usam suas bateias. Neste sentido sou amplamente favorável à concentração da atividade com o grande capital (a Vale é um exemplo), mas que só funciona com sua exposição pública, fiscalização e ameaça de punição (com o subproduto de queda nas ações por transgressões). Neste sentido, o mercado é um forte agente de preservação e exploração sustentada.

O livre jogo entre produtores, distribuidores e consumidores é útil, mas sem um sistema de regras (coercitivas, para abusar da redundância) que impliquem em punição às infrações que coloquem em risco, inclusive, propriedades vizinhas, a segurança para o próprio mercado operar não existe. Ninguém é obrigado a se submeter à prática de reciclagem de seu lixo ou a sua simples coleta, afinal, o lixo é seu, mas desde que guarde o mesmo debaixo de seu travesseiro. A partir do momento que o lixo privado atravessa o portão, entra no subsolo ou é exalado na atmosfera deixa de ser um problema privado. E daí tem que pagar por isto. Não dá para ser ‘liberal’ só na hora de produzir e ser ‘socialista’ quando se trata de devolver o custo da produção aos demais. Se algo produzido por mim afeta outro proprietário, eu tenho que indenizá-lo. Por isto, um sistema que preveja o impacto/dano é necessário. O mesmo princípio adotado na coleta e seleção do lixo tem que ser estendido a outros níveis de convivência, como a prática produtiva em regiões como a Amazônia ou demais áreas que requeiram peculiaridades em sua administração.

Outro tipo de argumento que considero fora de foco é o de que a legislação ambiental empobrece a população, sobretudo a mais pobre. O raciocínio é de que as comunidades, especialmente as mais carentes estariam condenadas a não utilizar os recursos naturais dos quais dependeriam. Só que este argumento não chama atenção para um detalhe: o não cumprimento da legislação impacta e, possivelmente, empobrece quem depende dela. Vejamos, a não obrigatoriedade de preservação das matas ciliares acelera a erosão tornando o agricultor mais pobre no longo prazo, mesmo que este porventura venha, no curto prazo, a ganhar mais. Agora, eu gostaria de conhecer um estudo que avaliasse quanto pesa para um agricultor, o custo do registro de sua reserva legal no cartório? Ou o valor de agrimensores e topógrafos? Reduzam ou zerem tais taxas burocráticas que, provavelmente, a reserva legal e matas ciliares serão preservadas. Mas, eu sei que é mais fácil (e populista) atacar a legislação preservacionista do que o modo como nossa estrutura burocrática está montada. É mais fácil apontar como vilão, o inócuo espantalho do que os furtivos corvos.

E, se realmente há preocupação com os pobres produtores achacados pela insensibilidade legalista, por que não se discute a baixa produtividade da produção e criação extensivas?[2] Onde estão as propostas para o aumento intensivo da produção agrícola ou pecuária com redução tributária em produtos químicos? É difícil encontrá-las na proporção inversa da facilidade de se encontrar o incentivo ao desmatamento de 30 metros às margens dos córregos.

A propriedade privada e a lógica de mercado são úteis para o equilíbrio entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental. Não sou ingênuo ou utópico ao ponto de considerar que nenhum desmatamento deva ocorrer. Acho que a urbanização é um fenômeno social que ajuda a diminuir a pressão sobre os ecossistemas incentivando uma maior produtividade das áreas já destinadas à produção e próximas dos mercados. Uma rede mais densa de cidades na Região Norte faria melhor em termos ambientais do que várias “performances conscientizadoras” do Greenpeace, simplesmente, por que empregos gerados são algo mais pragmático do que não consumir e, portanto, não trabalhar. Mesmo modelos privados de preservação, como as Reservas Particulares do Patrimônio Nacional (RPPNs), bem sucedidas no Brasil, tem que contar com produção e geração de fundos para sua manutenção. Esta simples verdade parece escapar para nossos generosos legisladores com suas canetas ao assinarem decretos, pois a preservação também não tem “almoço grátis”. O que não dá para consentir é que liberais caiam no conto da carochinha ou acusação ambientalista de que o capitalismo causa destruição. O que não dá para admitir é que precisemos caminhar em direção a auto-destruição luddita[3]de que a humanidade é um erro ou, em outra mão, de que só há um caminho, seja ele o mercado ou o estado. O que há é negociação, luta e métodos sempre discutíveis para se atingir determinados fins. Assim como eu não creio em “revoluções espirituais” de mochileiros em busca de uma salvação, também não creio em panacéias ideológicas venham de onde vierem. O que causa destruição é ausência de ordem, disciplina e, em uma palavra, civilização. Rejeito terminantemente a ilusão negativista dos ambientalistas, mas também não vejo apenas um dos pólos da engrenagem, estado ou mercado como dotados de uma razão superior. A questão, insisto neste ponto, é menos o regime de propriedade (público ou privado) do que a eficácia de nosso Judiciário.

[1] Além do livro há um filme bastante fiel sobre o caso: Into the Wild (2007).

[2] A produção tipicamente extensiva é aquela com baixo valor por hectare, o que varia segundo uma média regional. Um aumento ‘extensivo’ da produção significa uma expansão horizontal da atividade, o que até se justifica por valores de mercado onde o insumo terra for abundante e barato, como é o caso amazônico. Uma produção intensiva típica, se considerarmos o cenário nacional seria em torno dos grandes centros urbanos ou entre eles, como o Vale do Paraíba do Sul entre São Paulo e Rio de Janeiro.

[3] Refiro-me a Ned Ludd, ativista inglês antiindustrial do século XVIII.

Professor Negro

Esses dias assisti a uma comédia com meu filho, Animal, que está passando na Netflix e então aqui vai um spoiler brabo pra vcs que se não quiserem saber do que se trata, nem leiam até o fim. Trata-se de um sujeito que trabalha como arquivista e sonha em ser policial como seu falecido pai, a personagem Marvin Mange interpretado pelo ator Rob Scheneider é um típico fracassado da sociedade americana, um loser como eles gostam de chamar e que, depois de um grave acidente de carro foi resgatado por um cientista maluco que praticamente o ressuscita com partes de outros animais, o que lhe confere poderes de diversas espécies animais. Uma excelente história para sessão da tarde.

Mange tem dois amigos, um policial gordo que é alvo de bullying de seus colegas e outro negro que sempre justifica seus privilégios imaginários, como ser o primeiro a ser atendido em um bar até, no final, não ser alvo de linchamento por uma turba em busca de uma fera que ataca o gado por ser negro. A piada é que mesmo após assumir a culpa para livrar a cara de um amigo que, obviamente, era o responsável o salva, assim como a si próprio porque ninguém quer ficar com a pecha de racista. Como tantas vezes ele acusou, o “racismo inverso” não deixa de ser racismo, ainda que positivo. Em determinado ponto do filme, ele diz algo como “não vai ser um agrado que vai apagar a mancha de 400 anos de escravidão”.

É verdade, mas como se acaba com isto? Em outro vídeo famoso, o ator Morgan Freeman é entrevistado por um homem que se identifica como judeu e afirma claramente que a primeira forma de acabar com isto é “deixando de falar disto”. A lógica é que quanto mais se reforça um estereótipo, de coitado, de vítima, mesmo que seja para compensar a injustiça histórica mais se reforça a situação da vítima de “vítima histórica”. Conto uma história que aconteceu comigo para exemplificar, quando eu estava na 6ª série do Ensino Fundamental, o equivalente ao atual 5º ano das Séries Iniciais tive um excelente professor de Matemática. Ele não só ensinava os cálculos como também explicava como se chegava às fórmulas, o que levava ao seu entendimento e não esquecimento. Um detalhe, ele era negro, o melhor professor de matemática que eu já tive, mas por que me lembrei dele? Imagine que eu contasse essa mesma história, verídica, da seguinte forma:

  • (…) quando eu estava na 6ª série do Ensino Fundamental, o equivalente ao atual 5º ano das Séries Iniciais tive um excelente professor de Matemática. Ele não só ensinava os cálculos como também explicava como se chegava às fórmulas, o que levava ao seu entendimento e não esquecimento. Um detalhe, ele era branco, o melhor professor de matemática que eu já tive (…)

Qual a relevância da informação destacada? Absolutamente nenhuma. Lembro dele por ser um ótimo professor que, casualmente, era negro. Se isto te chama mais atenção do que sua excelência profissional é de se perguntar porque não vemos tantos outros profissionais negros, mas não que ele era melhor ou pior por ser negro. Se a raça não é um fator que altere a consequência de nada, aquilo que o tornou bom no que fazia é que deveria ser alvo de investigação, análise e quiçá, aprendizado orientado para sua reprodução em outros indivíduos, brancos ou negros.

Alguns dias atrás encerrei o ano letivo e como já havia concluído a programação passei um conteúdo extra, cerca de 15 min de vídeos pró-cotas raciais e mais 15 min de vídeos contrários. No segundo período explanei sobre coletivismo metodológico (nação, classes, raças, etnias, estamentos, castas etc.), como uma forma de racionalizar teorias sociais em contraposição ao individualismo metodológico, baseado na ação individual e quantificado estatisticamente. Depois disto analisamos discursos que contrapõem um modo de vida indígena, as chamadas “sociedades tradicionais afluentes”, em contraposição às modernas sociedades industriais. Esta foi uma aula-resposta a outra que tiveram fortemente embasada no mito do “bom selvagem” com um vídeo baseado em entrevista com Aílton Krenak, um indígena ambientalista com forte discurso anticapitalista (que também é palestrante convidado pela Nubank).

Meu intuito, principalmente, com a primeira parte da aula foi contrapor os resultados e premissas de cada linha de argumentação, mas a primeira crítica que obtive foi porque eu utilizei brancos para defender as cotas (Leandro Karnal, Mário Cortella e Marta Suplicy) e negros contra as cotas (Helio de la Peña, Morgan Freeman, Thomas Sowell e Walter Williams), foi por que não o contrário? Respondi que queria “bugar” a mente dos alunos e acabar com essa história de que só quem é de determinada raça poderia falar em nome dela, assim como a ideia preconcebida de que todos negros concordavam com a Ação Afirmativa das Cotas Raciais.

Vejam que o que pressupõe o raciocínio da maioria das pessoas, inclusive da aluna que criticou minha exposição inicial é a do coletivismo metodológico, onde existe um expediente verdadeiramente fascista chamado de “lugar de fala” que muitos acreditam ser democrático, mas que, obviamente, não é.

(Continua…)

Anselmo Heidrich

16 dez. 2023


Fonte da imagem: Math Class. Students raise their hands in answer to a question by a math teacher, ca.1970s, Cincinnati, Ohio. (Photo by Daniel Ransohoff/Cincinnati Museum Center/Getty Images).

Pessimismo Infundado

Nos anos 90, a apresentadora fútil, Xuxa Meneghel teve um quadro em seu programa com um ‘robô’ fazendo previsões sobre um mundo sem guerra e em harmonia com a natureza no futuro. Agora ela tem que se explicar… Mas cá entre nós, as previsões otimistas não são tão erradas quanto as pessimistas, a depender do ponto de vista. Antes do efeito midiático da guerra da Ucrânia que parece já ter sido esquecida por esta mesma mídia e substituída pelos ataques a Israel e por Israel tivemos guerras aqui e acolá por décadas, como a da Síria e a do Iêmen, só para citar as mais recentes, ou expulsão em massa de povos como os rohingya em Myanmar, então, se não cremos que o mundo melhorou, na verdade, o que piorou?

O fato é que a mente pessimista parece mais culta, melhor informada do que a otimista, com sua síndrome de Poliana, ingênuo, de uma paisagem mental com um campo cheio de margaridas ou uma propaganda de margarina Doriana. Só isso já nos leva a dar crédito ao negativista em detrimento do otimista. Portanto, se um climatologista diz que o mundo vai piorar com o aquecimento atmosférico global em 1,5ºC desde a Revolução Industrial, só isto já vale mais do que outro, mesmo que em minoria, que diga sim, mas não tanto assim e ainda temos o fator de resiliência blá-blá-blá…

Corta agora: vc foi a uma balada, sabia que ia “dar ruim” se enchesse a cara, vai lá e ENCHE a cara, por quê? Porque a previsão não passava de uma profecia autorrealizável, onde vc sabia o que poderia acontecer, foi lá e FEZ acontecer. Por que isso? Porque procuramos justificativas. Só isso. Por acaso é muito diferente como quando dizemos ou ouvimos que “essa geração se alimenta mal”, que “só quer saber de Miojo e pipoca”, que “passa o dia inteiro na tela” etc.? Provavelmente pagaremos um preço pelo suposto aumento do sedentarismo, mas também é verdade que a expectativa de vida tem aumentado enormemente para a maioria dos povos, então essa visão negativa pode ser a de uma bolha ou exageradíssima.

É verdade que temos muito acesso a porcaria, mas também há muitas opções. Eu gostaria, p.ex., muito de saber quais os efeitos negativos desse monte de insumos de academia tem nos consumidores, mas veja que a maioria das pessoas não está nas academias se entupindo de aditivo nenhum, está comendo feijão, arroz e carne. Então é com este número que temos que contar para onde vai a humanidade e não com o drogadito dependente de influencers.

Nem sempre buscamos a verdade, basicamente, porque buscá-la inclui uma boa dose de reconhecimento do erro e de nossa falibilidade, logo buscamos minimizar este efeito de autoinferiorização. Se achamos que comemos demais e vamos comer demais acabamos por comer demais, o que diminui o efeito de erro próprio. Parece que em busca da certeza e autoafirmação vivemos nos convidando ao desastre e fracasso pessoal. Para completar, ainda temos os amigos – que assim são chamados – nos incentivando a beber mais ou comendo um pudim assim que os avisamos de nossa nova dieta. Mas é assim que funciona para os demais, para a sociedade em geral?

Pense no mercado, uma possível quebra do mercado de ações não te motiva a provocar esta quebra ou desconfiar da capacidade do teu político favorito não te induz a apoiar o seu principal oponente. Então, se não agimos assim coletivamente, por que deveria ser no plano individual? Aliás, se é perfeitamente possível fazer uma previsão e depois tentar errar sobre ela, por que insistimos na autossabotagem?

Se, em geral (esta é a minha premissa), somos mais otimistas (e ingênuos) sobre algo que nos é externo, o mercado, a política, o mundo, o futuro visto pela Xuxa etc., por que não conosco? Pela simples razão de que procuramos desculpas, porque somos, sim, nós somos mesmo, preguiçosos na maior parte do tempo. Porque fomos adestrados a viver em um mundo de comodidades, de abundância, de tempo livre onde nossos diabinhos operam pulando entre os dendritos ou porque somos escravos de nossos desejos.

A liberdade pressupõe fugir destes grilhões, controlar o automatismo e dizer não ao que mais se quer, liberdade só funciona com disciplina… individual.

Anselmo Heidrich
14 dez. 2023


Fonte da imagem: https://www.yahoo.com/lifestyle/prevent-glasses-fogging-anti-fog-160012311.html

Como criar espantalhos: O caso da Ucrânia

What the Data Say about Student Support for Shout-downs, Blockades, and Violence

Fonte: What the Data Say about Student Support for Shout-downs, Blockades, and Violence

O Marxismo é uma História sem Sujeito

Sim, Marx errou em suas predições. Mas, penso que este foi um erro menor. Explico-me: errar o futuro é comum à liberais, socialistas ou quaisquer que sejam as orientações ideológicas. “Especialistas em futuro próximo”, como os agentes de mercado não erram suas apostas nas bolsas de valores?

O problema também não é que seu erro foi proporcional a sua (enorme) pretensão, mas que (aí é que está), não existe esta firme distinção, como querem os heterodoxos, em ver um “Marx metodológico” (que se salvaria) do “Marx profeta” (completamente descartado). Penso que o erro que levou às pretensiosas predições reside no próprio método marxiano.

A teleologia objetiva da história, na qual Marx se baseava tinha um fim previsto, objetivo. Quantas vezes não ouvimos falar em “interesses de classe”? De onde achamos que vêm isto? Ora, os interesses não são estruturais, eles podem ser vários.

Não raro, os interesses da classe operária podem estar bem afinados com a elite empresarial, quando os ganhos destas redundam em benefícios à primeira. O que torna isto inviável no raciocínio marxiano? O fim aludido, no qual se chegará via contradição (estrutural) entre as classes. Por isto, as adversidades no transcurso histórico não passam de ocasos nos quais, a “tendência dominante” da “evolução da história”, leia-se luta de classes, se imporá.

Não se impôs. Foi o que se viu e, como bem demonstram as metamorfoses sofridas pelo movimento operário.

Outra característica que se alia a este finalismo histórico (a teleologia…) é seu aspecto funcionalista. Sei que alguns dirão se tratar de algo específico de uma escola americana de sociologia (Talcott Parsons) que nada teria a ver com o marxismo… Mas, eu discordo: o funcionalismo presente na obra marxiana tem a ver com um sistema fechado onde efeitos (outputs) produzem feedbacks que justificam os inputs, sendo os efeitos políticos nada mais que elementos intermediários do circuito.

Um exemplo corriqueiro do fucionalismo na obra de Marx, a que muitos chamam, desavisadamente, de “economicismo” (deturpando esta ciência… a economia) é quando uma instituição surge para atender as “necessidades do sistema”. O caso paradigmático a que me refiro é a religião que, numa leitura mais rasteira (althusseriana) é categorizada como mera superestrutura a “serviço do sistema”.

(Leitura vulgarizada que, no entanto, surgiu no próprio Marx.)

Ora! Se há situações em que a esfera religiosa justifica uma determinada situação econômica, há aquelas em que se opõe, claramente, às mudanças do mesmo sistema, ou seja, da própria economia. Se a religião fosse assim, tão “reflexiva”, não haveria porque existir tantas querelas entre agentes econômicos e as oligarquias com sua legitimação atemporal.

Não há determinismos grosseiros na realidade, como Marx quis enxergar.

Marx pode ter acertado (do ponto de vista empírico) em certas análises para sua época, mas errou redondamente na generalização para o futuro e também, naquilo que entendeu como sendo o passado da sociedade capitalista. Algumas de suas subteorias, como a da taxa declinante de lucros contém um raciocínio dedutivo pobre derivado mais de seu próprio wishful thinking do que um exercício lógico de contraposição e testes verdadeiramente dialéticos.

A paixão de Marx, evidentemente, ofuscou seu crivo crítico. Ele também descartou o papel fundamental do indivíduo na história. Dependendo do lugar que este ocupe na rede de relações sociais, sua ação pode ter um papel decisivo no decorrer dos fatos históricos, ainda superior do que certas ações coletivas de classe ou não.

A teleologia objetiva da história em Marx contém um paradoxo. Ela “explica tudo” de frente para trás, mas aquilo que ela se propõe explicar de modo explícito, o futuro tem nas possibilidades do acaso e da contingência históricas, o mais completo vazio. Enquanto a ciência procede de trás para frente, da causa para o efeito, o marxianismo faz, exatamente, o contrário ao pretender apontar o passado a partir do futuro. Como se este futuro tivesse já inscrito, de antemão, o que o passado, inexoravelmente, descobrirá de modo lógico, certeiro e irretocável, o chamado “devir histórico”. Mas, sem perceber neste passado, os imprevistos e criações históricas como o que são: opções e alternativas, plenos de dilemas.

Os maiores erros de Marx também são os mesmos de Hegel, de acreditar numa história sem sujeito (individual e de interações individuais), mas que desastrosamente debita um objetivo à história, como se fosse possível desvincular objetivos de sujeitos.

Anselmo Heidrich

19 mar. 2023

NÃO CULPE O CAPITALISMO: ensaios de Geografia Anti-Marxista

Para geógrafos marxistas, os grandes centros urbanos seriam prova da exploração do trabalho devido às suas desigualdades socioeconômicas.

Bem, em primeiro lugar, o que é capitalismo? A definição básica deste sistema socioeconômico ou, em linguagem marxista, modo de produção, seria de um sistema que privilegia a propriedade privada dos meios de produção e a relação de trabalho assalariada. Diferentemente de outros modos de produção onde há não trabalho livre, esta é uma característica básica e primordial do capitalismo.

Mas, eu não vejo o capitalismo como esteio básico para se entender as sociedades, vejo-o como um componente das sociedades e não, como costumeiramente se faz querer crer, a sociedade decorrendo e sendo um produto do capitalismo. Basta observarmos diversos exemplos de países capitalistas ao redor do mundo para concluir como eles se processam diferentemente de acordo com os diversos estados, instituições e culturas regionais.

Em segundo lugar, o que é marxismo? Trata-se de uma filosofia e não de uma ciência. Ciência quando posta à prova, quando suas teorias são questionadas sob novos fatos que não são explicados perde, gradativamente, sua credibilidade e poder. A filosofia também pode percorrer este caminho, mas não obrigatoriamente, nem perde sua validade se não corresponder à fatos ou for confrontada por uma filosofia com maior apelo à realidade concreta dos fatos. Por outro lado, quando um conjunto de ideias é defendido por seus seguidores e por esta razão persiste ao longo do tempo, mesmo sob o contraste de novos fatos ou interpretações distintas sobre fatos antigos é porque não se trata de ciência, mas de seita, porque não se trata da verdade, mas de fé.

O marxismo, como a maioria das ideias surgidas no século XIX, tinha um forte pendor pelo “etapismo” e evolução histórica, não sendo nenhum segredo que Karl Marx admirava o trabalho de Charles Darwin querendo, inclusive, adaptar a ciência biológica em uma “versão humanista”. A sucessão dos modos de produção observados na Europa Ocidental e generalizados para o resto do globo, além de tentar prever desencadeamentos futuros não só se mostrou equivocada pela inexistência de eventos futuros esperados como deixava ausente a análise detida de fenômenos propriamente políticos em sua época e sociedade. Marx os resumia como decorrência das “contradições do capital”, da evolução das forças produtivas (tecnologia, em linguagem não marxista) e relações de produção (relações de propriedade, em linguagem não marxista). Mais que uma “mania”, esta obsessão era fruto lógico de seu método de análise com destino predeterminado de seus acontecimentos, uma teleologia objetiva da história.

E a geografia? Etimologicamente, geografia significa “descrição da Terra”, mas na verdade, a geografia tem desviado muito mais para a interpretação do que para a descrição. Isto é um processo natural, na medida que não somos só observadores, mas também avaliadores e julgadores a todo o momento, sobretudo de temas que envolvem política e cultura.

Quando se descreve a paisagem, não vemos apenas natureza, embora esta seja predominante no globo, mas também a paisagem cultural, as construções ou, como Marx chamava, a “Segunda Natureza”. O problema é que este equilíbrio entre as duas formas de construção da paisagem, a natural e a humana, que permitia à Geografia ser um conhecimento de intersecção, justamente de integração ou interdisciplinaridade já nos idos do século XIX, quando foi elevada à cátedra na Alemanha, sofre uma disputa entre correntes ideológicas desde os anos 60 nos Estados Unidos.

Contrários a uma postura “neutra” de geógrafos que trabalhavam para o governo, professores universitários americanos se opuseram às manifestações urbanas, como segregação urbana e, no plano internacional, à desigualdade dos termos de troca, como se esta fosse herança do antigo pacto colonial. Mas, ao invés de procurarem soluções dentro de rearranjos de mercado e planejamento setorial ou estratégico, viram nas teorias marxistas de mais-valia e no discurso leninista do “imperialismo como última fase do capitalismo” sua explicação definitiva.

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As ideias americanas atravessam e se expandem mundo afora, o que não seria diferente no Brasil. Não importamos apenas as boas ideias Made in USA, mas também suas bizarrices, muitas delas com o selo de seus campi. É sobre esta ligação entre marxismo e geografia que irei tratar. E sim, tenho intenção de ser polêmico porque o tema o é e, até onde sei, nunca foi tratado de modo tão explícito quanto pretendo fazer aqui. No entanto, já aviso aos preguiçosos, não farei isto procurando caminhos fáceis de acusar as ligações de autores alvos de crítica somente com partidos ou políticos, mas sim pela sustentação de suas teorias, estas sim os ovos da serpente.

Anselmo Heidrich

13 mar. 23

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Image: By No machine-readable author provided. Bernd Untiedt~commonswiki assumed (based on copyright claims). – No machine-readable source provided. Own work assumed (based on copyright claims)., CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=56514

Sou ínfima parte do grande todo.

Sim; mas todos os animais condenados a viver,

Todas as coisas sensíveis, nascidos segundo a mesma lei implacável,

Sofrem como eu e também morrem.

O abutre aperta sua tímida presa,

E golpeia com o sanguinário bico os trêmulos membros:

Para ele, parece, está tudo bem. Mas pouco depois

Uma águia faz o abutre em pedaços;

A águia é trespassada por setas do homem;

O homem, caído na poeira dos campos de batalha,

Misturando seu sangue com companheiros agonizantes,

Torna-se, por sua vez, o alimento de pássaros vorazes.

Assim o mundo todo geme em cada membro,

Todos nascidos para o tormento e para a morte mútua.

E sobre este horrendo caos você diria

Que os males de cada um formam o bem de todos!

Que bem-aventurança! E quando, com voz tremula,

Mortal e lamentavelmente você grita “Tudo bem”,

O universo o desmente, e o seu coração:

Refuta cem vezes a sua presunção.

Qual é o veredicto da mente mais ampla?

Silêncio: o livro do destino está fechado para nós.

O homem é um estranho para com sua própria pesquisa;

Não sabe de onde vem, nem para onde vai.

Átomos atormentados num leito de lama,

Devorados pela morte, um escárnio do destino

Mas átomos pensantes, cujos olhos que enxergam longe,

Guiados por pensamentos, mediram as fracas estrelas.

Nosso ser mistura-se ao infinito;

A nós mesmos, nunca vemos ou chegamos a conhecer,

Este mundo, este palco de orgulho e do errado,

Está cheio de tolos doentes que falam em felicidade.

Certa vez cantei, em tom menos lúgubre,

Os belos caminhos da regra do prazer;

Os tempos mudaram e, ensinado pela idade que avança,

E participando da fragilidade da Humanidade

Buscando uma luz em meio à crescente escuridão,

Só me resta sofrer e não irei reclamar.

(VOLTAIRE)

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