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Anselmo Heidrich

Defendo uma sociedade livre baseada no governo limitado e estado mínimo.

Anti-Pop

O lemingue é um tipo de roedor do norte da Europa que durante muito tempo se acreditou que se suicidava aos bandos em determinada época do ano. Era o animal perfeito para a pecha de “irracional”. Mas era pior do que isso, esse traço de comportamento é perfeitamente humano. Ao se deslocar em grupo, os indivíduos seguem aqueles que vão na frente em determinado rumo. Como são muitos se empurram jogando alguns penhascos abaixo nos fiordes. Seguir tendências irrefletidamente tem este “bônus”, pode te levar a um suicídio coletivo.

Lembro-me como se fosse hoje, estava caminhando na Av. Paulista indo para o trabalho quando um colega de pós-graduação junto aos seus segurava um cartaz da CUT e me perguntou se eu sabia de algum emprego para ele, isso lá pelos idos dos anos 90. Prometi levar um currículo, mas só fui revê-lo décadas mais tarde como chefe de dept do curso de geografia da UFSC. Ele se deu bem seguindo sua onda, mas minha consciência não me permitia fazer o mesmo.

Nisso eu me afastava cada vez mais daquele grupo e minhas leituras no boom da globalização me colocavam mais e mais na antípoda disso tudo. Acho que por volta de 2003 comecei a escrever no Mídia Sem Máscara e seguia o pessoal em muitos pontos em comum, mas logo comecei a divergir em detalhes aparentemente insignificantes que para mim faziam muita diferença, pois eram sobre premissas importantes, como a separação entre igreja e estado, a moralidade da guerra etc. E foi quando dois colegas foram rechaçados por suas críticas à religião que também dei um basta naquilo tudo e pulei fora defendendo os excomungados, mas não sem ampliar minha cota de haters.

Nas redes sociais eu colecionava desafetos quando discutia geopolítica em meio aos liberais e quando me mantinha intransigente quanto à liberdade de expressão em meio aos conservadores. Pela minha atuação firme nas manifestações pelo impeachment e oposição ao PT conquistei um espaço no anti-petismo. Porém, não demorou para perceber que muitos desses não eram defensores coerentes da liberdade, mas apenas petistas de sinal invertido (olavetes, bolsonaristas, intervencionistas e até alguns “liberais”). Segui na minha e, embora o Facebook te permita deixar de seguir ou se desligar de quem te desagrada, um bom lemingue não pode desviar da rota e ser o próprio capitão de sua nau. Não! Ele quer ser aceito por ti. E o que esses QIs de roedores do frio não entendem é que eu nunca fui de seu grupo, apenas casou de traçarmos juntos parte do percurso.

Recentemente descobri que esses imbecis simplesmente não têm rigor conceitual e não entende o mais básico dos princípios liberais como a liberdade de expressão. Eles adoram desnudar as tramoias esquerdistas, mas se seu representante eleito ou ícone de justiça for pego, mais que negar, passam a te odiar por expor sua hipocrisia ou, na melhor das hipóteses, contradição não intencional.

A verdade é que a verdade não exige carteirinha de sócio em algum clubinho, mas pode evitar que se caia em algum precipício.

Anselmo Heidrich
25 jul. 19

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Fonte da imagem “montanhas”: https://pixabay.com/fr/photos/montagnes-falaise-nature-solitaire-2722673/

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Como criar espantalhos: O caso da Ucrânia

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Fonte: What the Data Say about Student Support for Shout-downs, Blockades, and Violence

O Marxismo é uma História sem Sujeito

Sim, Marx errou em suas predições. Mas, penso que este foi um erro menor. Explico-me: errar o futuro é comum à liberais, socialistas ou quaisquer que sejam as orientações ideológicas. “Especialistas em futuro próximo”, como os agentes de mercado não erram suas apostas nas bolsas de valores?

O problema também não é que seu erro foi proporcional a sua (enorme) pretensão, mas que (aí é que está), não existe esta firme distinção, como querem os heterodoxos, em ver um “Marx metodológico” (que se salvaria) do “Marx profeta” (completamente descartado). Penso que o erro que levou às pretensiosas predições reside no próprio método marxiano.

A teleologia objetiva da história, na qual Marx se baseava tinha um fim previsto, objetivo. Quantas vezes não ouvimos falar em “interesses de classe”? De onde achamos que vêm isto? Ora, os interesses não são estruturais, eles podem ser vários.

Não raro, os interesses da classe operária podem estar bem afinados com a elite empresarial, quando os ganhos destas redundam em benefícios à primeira. O que torna isto inviável no raciocínio marxiano? O fim aludido, no qual se chegará via contradição (estrutural) entre as classes. Por isto, as adversidades no transcurso histórico não passam de ocasos nos quais, a “tendência dominante” da “evolução da história”, leia-se luta de classes, se imporá.

Não se impôs. Foi o que se viu e, como bem demonstram as metamorfoses sofridas pelo movimento operário.

Outra característica que se alia a este finalismo histórico (a teleologia…) é seu aspecto funcionalista. Sei que alguns dirão se tratar de algo específico de uma escola americana de sociologia (Talcott Parsons) que nada teria a ver com o marxismo… Mas, eu discordo: o funcionalismo presente na obra marxiana tem a ver com um sistema fechado onde efeitos (outputs) produzem feedbacks que justificam os inputs, sendo os efeitos políticos nada mais que elementos intermediários do circuito.

Um exemplo corriqueiro do fucionalismo na obra de Marx, a que muitos chamam, desavisadamente, de “economicismo” (deturpando esta ciência… a economia) é quando uma instituição surge para atender as “necessidades do sistema”. O caso paradigmático a que me refiro é a religião que, numa leitura mais rasteira (althusseriana) é categorizada como mera superestrutura a “serviço do sistema”.

(Leitura vulgarizada que, no entanto, surgiu no próprio Marx.)

Ora! Se há situações em que a esfera religiosa justifica uma determinada situação econômica, há aquelas em que se opõe, claramente, às mudanças do mesmo sistema, ou seja, da própria economia. Se a religião fosse assim, tão “reflexiva”, não haveria porque existir tantas querelas entre agentes econômicos e as oligarquias com sua legitimação atemporal.

Não há determinismos grosseiros na realidade, como Marx quis enxergar.

Marx pode ter acertado (do ponto de vista empírico) em certas análises para sua época, mas errou redondamente na generalização para o futuro e também, naquilo que entendeu como sendo o passado da sociedade capitalista. Algumas de suas subteorias, como a da taxa declinante de lucros contém um raciocínio dedutivo pobre derivado mais de seu próprio wishful thinking do que um exercício lógico de contraposição e testes verdadeiramente dialéticos.

A paixão de Marx, evidentemente, ofuscou seu crivo crítico. Ele também descartou o papel fundamental do indivíduo na história. Dependendo do lugar que este ocupe na rede de relações sociais, sua ação pode ter um papel decisivo no decorrer dos fatos históricos, ainda superior do que certas ações coletivas de classe ou não.

A teleologia objetiva da história em Marx contém um paradoxo. Ela “explica tudo” de frente para trás, mas aquilo que ela se propõe explicar de modo explícito, o futuro tem nas possibilidades do acaso e da contingência históricas, o mais completo vazio. Enquanto a ciência procede de trás para frente, da causa para o efeito, o marxianismo faz, exatamente, o contrário ao pretender apontar o passado a partir do futuro. Como se este futuro tivesse já inscrito, de antemão, o que o passado, inexoravelmente, descobrirá de modo lógico, certeiro e irretocável, o chamado “devir histórico”. Mas, sem perceber neste passado, os imprevistos e criações históricas como o que são: opções e alternativas, plenos de dilemas.

Os maiores erros de Marx também são os mesmos de Hegel, de acreditar numa história sem sujeito (individual e de interações individuais), mas que desastrosamente debita um objetivo à história, como se fosse possível desvincular objetivos de sujeitos.

Anselmo Heidrich

19 mar. 2023

NÃO CULPE O CAPITALISMO: ensaios de Geografia Anti-Marxista

Para geógrafos marxistas, os grandes centros urbanos seriam prova da exploração do trabalho devido às suas desigualdades socioeconômicas.

Bem, em primeiro lugar, o que é capitalismo? A definição básica deste sistema socioeconômico ou, em linguagem marxista, modo de produção, seria de um sistema que privilegia a propriedade privada dos meios de produção e a relação de trabalho assalariada. Diferentemente de outros modos de produção onde há não trabalho livre, esta é uma característica básica e primordial do capitalismo.

Mas, eu não vejo o capitalismo como esteio básico para se entender as sociedades, vejo-o como um componente das sociedades e não, como costumeiramente se faz querer crer, a sociedade decorrendo e sendo um produto do capitalismo. Basta observarmos diversos exemplos de países capitalistas ao redor do mundo para concluir como eles se processam diferentemente de acordo com os diversos estados, instituições e culturas regionais.

Em segundo lugar, o que é marxismo? Trata-se de uma filosofia e não de uma ciência. Ciência quando posta à prova, quando suas teorias são questionadas sob novos fatos que não são explicados perde, gradativamente, sua credibilidade e poder. A filosofia também pode percorrer este caminho, mas não obrigatoriamente, nem perde sua validade se não corresponder à fatos ou for confrontada por uma filosofia com maior apelo à realidade concreta dos fatos. Por outro lado, quando um conjunto de ideias é defendido por seus seguidores e por esta razão persiste ao longo do tempo, mesmo sob o contraste de novos fatos ou interpretações distintas sobre fatos antigos é porque não se trata de ciência, mas de seita, porque não se trata da verdade, mas de fé.

O marxismo, como a maioria das ideias surgidas no século XIX, tinha um forte pendor pelo “etapismo” e evolução histórica, não sendo nenhum segredo que Karl Marx admirava o trabalho de Charles Darwin querendo, inclusive, adaptar a ciência biológica em uma “versão humanista”. A sucessão dos modos de produção observados na Europa Ocidental e generalizados para o resto do globo, além de tentar prever desencadeamentos futuros não só se mostrou equivocada pela inexistência de eventos futuros esperados como deixava ausente a análise detida de fenômenos propriamente políticos em sua época e sociedade. Marx os resumia como decorrência das “contradições do capital”, da evolução das forças produtivas (tecnologia, em linguagem não marxista) e relações de produção (relações de propriedade, em linguagem não marxista). Mais que uma “mania”, esta obsessão era fruto lógico de seu método de análise com destino predeterminado de seus acontecimentos, uma teleologia objetiva da história.

E a geografia? Etimologicamente, geografia significa “descrição da Terra”, mas na verdade, a geografia tem desviado muito mais para a interpretação do que para a descrição. Isto é um processo natural, na medida que não somos só observadores, mas também avaliadores e julgadores a todo o momento, sobretudo de temas que envolvem política e cultura.

Quando se descreve a paisagem, não vemos apenas natureza, embora esta seja predominante no globo, mas também a paisagem cultural, as construções ou, como Marx chamava, a “Segunda Natureza”. O problema é que este equilíbrio entre as duas formas de construção da paisagem, a natural e a humana, que permitia à Geografia ser um conhecimento de intersecção, justamente de integração ou interdisciplinaridade já nos idos do século XIX, quando foi elevada à cátedra na Alemanha, sofre uma disputa entre correntes ideológicas desde os anos 60 nos Estados Unidos.

Contrários a uma postura “neutra” de geógrafos que trabalhavam para o governo, professores universitários americanos se opuseram às manifestações urbanas, como segregação urbana e, no plano internacional, à desigualdade dos termos de troca, como se esta fosse herança do antigo pacto colonial. Mas, ao invés de procurarem soluções dentro de rearranjos de mercado e planejamento setorial ou estratégico, viram nas teorias marxistas de mais-valia e no discurso leninista do “imperialismo como última fase do capitalismo” sua explicação definitiva.

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As ideias americanas atravessam e se expandem mundo afora, o que não seria diferente no Brasil. Não importamos apenas as boas ideias Made in USA, mas também suas bizarrices, muitas delas com o selo de seus campi. É sobre esta ligação entre marxismo e geografia que irei tratar. E sim, tenho intenção de ser polêmico porque o tema o é e, até onde sei, nunca foi tratado de modo tão explícito quanto pretendo fazer aqui. No entanto, já aviso aos preguiçosos, não farei isto procurando caminhos fáceis de acusar as ligações de autores alvos de crítica somente com partidos ou políticos, mas sim pela sustentação de suas teorias, estas sim os ovos da serpente.

Anselmo Heidrich

13 mar. 23

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Image: By No machine-readable author provided. Bernd Untiedt~commonswiki assumed (based on copyright claims). – No machine-readable source provided. Own work assumed (based on copyright claims)., CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=56514

Sou ínfima parte do grande todo.

Sim; mas todos os animais condenados a viver,

Todas as coisas sensíveis, nascidos segundo a mesma lei implacável,

Sofrem como eu e também morrem.

O abutre aperta sua tímida presa,

E golpeia com o sanguinário bico os trêmulos membros:

Para ele, parece, está tudo bem. Mas pouco depois

Uma águia faz o abutre em pedaços;

A águia é trespassada por setas do homem;

O homem, caído na poeira dos campos de batalha,

Misturando seu sangue com companheiros agonizantes,

Torna-se, por sua vez, o alimento de pássaros vorazes.

Assim o mundo todo geme em cada membro,

Todos nascidos para o tormento e para a morte mútua.

E sobre este horrendo caos você diria

Que os males de cada um formam o bem de todos!

Que bem-aventurança! E quando, com voz tremula,

Mortal e lamentavelmente você grita “Tudo bem”,

O universo o desmente, e o seu coração:

Refuta cem vezes a sua presunção.

Qual é o veredicto da mente mais ampla?

Silêncio: o livro do destino está fechado para nós.

O homem é um estranho para com sua própria pesquisa;

Não sabe de onde vem, nem para onde vai.

Átomos atormentados num leito de lama,

Devorados pela morte, um escárnio do destino

Mas átomos pensantes, cujos olhos que enxergam longe,

Guiados por pensamentos, mediram as fracas estrelas.

Nosso ser mistura-se ao infinito;

A nós mesmos, nunca vemos ou chegamos a conhecer,

Este mundo, este palco de orgulho e do errado,

Está cheio de tolos doentes que falam em felicidade.

Certa vez cantei, em tom menos lúgubre,

Os belos caminhos da regra do prazer;

Os tempos mudaram e, ensinado pela idade que avança,

E participando da fragilidade da Humanidade

Buscando uma luz em meio à crescente escuridão,

Só me resta sofrer e não irei reclamar.

(VOLTAIRE)

A Música Empobreceu?

A Música Empobreceu?

Sobre https://www.youtube.com/watch?v=hae9W2kc3PE

Pois é, mas ainda assim há o mercado para o divergente. Já vi gente boa pra cacete ser rejeitada no American Idol (mas também vi gente boa ser aprovada). Quando à previsibilidade da música, já é um fenômeno que vem desde os anos 80, mesmo com bandas que são consideradas boas hoje em dia. Quer exemplos? Ouça Led Zeppelin, dos anos 60-70 e compare com o Iron Maiden dos anos 80 em diante, quem é mais variado e criativo? Não estou dizendo que o Iron não seja bom ou tenha seu valor, mas é patente que se eles fizessem algo mais diferente perderiam muitos fãs que querem sempre mais do mesmo.

Basicamente, as bandas dos anos 80 são mesmo bandas que produzem um som homogeneizado, nos anos 90 houve uma tentativa de mudar isso com gêneros alternativos, mas ainda assim, algo como nos anos 70 só fora do big business.

Eu cansei de ouvir nos anos 80 que “o rock morreu”, mas não morreu nada, só se modificou. E coisas como o progressivo pareciam estar fadadas à extinção, mas nos anos 90 e seguintes descobri que havia circuitos alternativos do estilo em festivais onde eles vendiam seu trabalho. Sobreviveram, graças à internet, à tecnologia e ao capitalismo que proporcionou a veiculação da diversidade.

Ao contrário do que dizem o cultural-tradicional é que empobrece. Música berbere, p.ex., teve seus músicos perseguidos e permanece em focos específicos nos Mts. Atlas devido ao fundamentalismo islâmico (e árabe) na Argélia e Marrocos. A religião produz arte, mas é inimiga da arte que foge da sua cultura. O mesmo para a mouth music, música feita com a boca apenas, que deu origem ao yodel americano. Era vista como pagã na Irlanda pela cristandade e relacionada ao sexo. Ou seja, nada de cantar na dança das fitas, aliás, nada de dança das fitas e louvar Príapo. Como temos acesso a isso tudo hoje? Graças ao comércio, à globalização, ao capitalismo e a possibilidade de consumirmos arte que foi reprimida em seu espaço e lugar de origem.

Anselmo Heidrich

5 ago. 22

Adeus, Nei!

Ontem assisti ao show de Nei Lisboa no teatro do Centro Integrado de Cultura (CIC), em Florianópolis. Fui com saudosismo… Porto Alegre, Bomfim, Av. Oswaldo Aranha, toda atmosfera dos anos 80, mas não esperava o que assisti, não no grau que vi…

Eu já sabia da postura de esquerda do músico, não tão acintosa, mas o que vi e ouvi foi, praticamente, uma campanha para a presidência de Luís Inácio Lula da Silva. Calma, eu entendo sua repulsa à Jair Messias Bolsonaro, que também é a minha, um presidente que veio com o discurso liberal, mas tudo que fez foi garantir o conservadorismo dos privilégios, aumentando ministérios, fundo eleitoral e criando estatais. Acontece que o repúdio à Bolsonaro não deveria cegar ninguém aos erros técnico-administrativos, roubos explícitos e arrombos implícitos do estado brasileiro, nosso mercado e instituições praticado nas gestões petistas.

As letras intimistas falando de um passado e cenário de uma capital que se deteriorou em sucessivas administrações das prefeituras do PT deram lugar a uma ode ao imaginário do próprio partido que colocou uma pá de cal no estado gaúcho com os governos de Olívio Dutra e Tarso Genro. Sinceramente, não sei se o pior do PT é quando eles “agem certo”, sem roubar, lesar e desviar, mas conduzindo a economia para seu definhamento com políticas econômicas burras ou quando agem como “bons políticos latino-americanos”, com o selo da corrupção em forma de estrelinha.

E o público, de 50 anos pra cima, meus contemporâneos carregando um ou outro filho ou neto, em sua iniciação. Não vi nenhum “mal vestido”, com roupas baratas ou velhas e, pra dizer a verdade, tinha muita dona ali com roupa de grife de lojinha de shopping, que só encontra nelas mesmo. Pra quem não entendeu, roupas caras. Isso mesmo, a galera que ficava berrando “revolução!” no meio do show adora uma marca exclusiva fabricada sabe-se lá onde no extremo oriente, em algum “novo tigre asiático” onde o capitalismo fincou seus pés, mas etiquetada por aqui para pagar mais caro e assim, se distinguir do coletivo. Eu chamaria de hipocrisia se soubesse da sua intencionalidade, mas como sei que a maioria nem tem a mínima ideia de sua contradição chamo de burrice mesmo.

Do centro cultural de Porto, que é o Bomfim, carinhosamente chamado de “Bomfa” pelos “magrinhos” (jovens, mas agora anciões) de Porto Alegre veio a nata, cuja grossa parcela inunda os corredores dos departamentos de Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que naquela noite amassaram as poltronas acolchoadas do teatro para elite intelectual criticando a excrescência política que é este bizarro governo Bolsonaro, mas esquecendo que não fosse justamente por ele, o natimorto PT dificilmente voltaria à cena política nacional. Em certo sentido, Lula deveria erguer uma estátua para Bolsonaro, por este ter sido seu principal cabo eleitoral. Na verdade, um não existe sem o outro. E, enquanto este circo se descortina, a inflação galopante, desindustrialização, burocracia, sanha legislativa e carga tributária atuam como placas tectônicas esmagando todo resto de esperança que ainda existe para ver este país dar certo ainda em nossa curta expectativa de vida.

Ao terminar o show, o significativo símbolo do “L”, de “Lulalá”, em contraposição à “arminha” do Presidente da República, este que ora acende uma vela para o deus evangélico da igreja “Templo é Dinheiro”, ora acende outra para o Belzebu do Congresso Nacional. Quando vi esta cena caiu minha ficha na hora, “esta é a história que irá ficar”, cantada pelo sentimento de rebeldia infanto-juvenil por Srs. de próstata inchada e Sras. com calorões em plena menopausa. Eles irão resistir, pois em plena conjuntura insana do “cancervadorismo” se reúnem como fiéis, como cristãos nas catacumbas do Império Romano, como muçulmanos sob ataque da coalizão ocidental, como batalhões de ucranianos sob chuva de mísseis hipersônicos russos. Todos os ataques serão rápidos e caros, mas a miséria contínua desse continente sem luz manterá a chama da fé irracional em um estado gigante com seu salvador da pátria de Garanhuns.

No fundo o que mudou? Talvez o i-Phone que os espectadores usem e troquem no ano seguinte, mas o princípio do coronelismo, enxada e voto irá perdurar por séculos, pois quando uma elite ainda acredita no socialismo querendo repartir sem aumentar a produtividade e sem perseguir e enjaular o corrupto, que dirá o povo? Este, eterna massa de manobra, se vendeu pelo Bolsa-Família em passado recente da mesma forma que agora o faz pelo Auxílio-Brasil. Ah! Também não podemos esquecer da “valorização da educação”! Em contraposição aos esquemas de toma-lá-dá-cá de pastores-ministros que condicionam verbas da educação às prefeituras que construírem igrejas, nós teremos várias semanas e eventos contra a heteronormatividade e a favor da decolonialidade para uma massa de jovens constituídas por analfabetos funcionais que lê muito… legendas de vídeos curtos no instragram.

Talvez em algum século daqui para frente possamos assistir ao “Adeus, Nei!” da mesma forma que assisti à “Adeus, Lenin!” em 2003, genial película mostrando o desencanto de uma geração com o socialismo no leste europeu onde, entre outras emblemáticas cenas, um garoto procura bugigangas em meio ao lixo e se depara com um pôster de Che Guevara jogado fora. E ele joga mais longe ainda.

Cansado após um dia intenso, onde algumas poucas músicas que não falavam de política direta ou indiretamente realmente valeram a pena, cedi passagem aos outros devotos do passado que sorriam extasiados pela audição e visualização de um futuro que reforçasse sua fé em um presente que nunca aconteceu. Também esperei que saíssem do estacionamento, com seus Jeeps, Toyotas, Hyndais e Hondas, todas marcas que seu tão sonhado socialismo jamais imaginou criar e oferecer a uma massa de burros mal agradecidos.

Dr. Marulk

7 jul. 2022

Agatha e Moïse

O assassinato de Moïse Kabamgabe amarrado e morto em um quiosque na Barra da Tijuca, após cobrar os salários atrasados, não é novidade para quem conhece a realidade brasileira, sobretudo as “leis não escritas” de certas áreas urbanas e rurais brasileiras. O caso passaria desapercebido, como mais um dentre tantos outros de barbárie explícita do cotidiano brasileiro, mas como se tratou de um imigrante congolês pode ter repercussão internacional. Espero que a justiça seja feita, mesmo sabendo que a área que trabalhava era dominada por milícias.[1]

Moïse Kabamgabe

O problema é com os brasileiros mesmo, que parecem amortecidos com sua história não contada, a história das relações interpessoais baseadas na ameaça, opressão e violência. Alguém está lembrado da menina Agatha Vitória Sales Félix, morta com um tiro nas costas em uma área de confronto na Favela do Alemão, Rio de Janeiro em 2019? O tiro, dado pela Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, gerou comoção dentro de um quadro onde os confrontos ceifam a vida de adultos e crianças, muitas vezes, por “balas perdidas”.

Agatha Vitória Sales Félix

Anos atrás cheguei a ouvir de um casal economicamente bem sucedido aqui em Florianópolis, “não aguento mais ouvir falar em Agatha, Agatha, é só o que se fala na televisão”. A frase chocante pela insensibilidade não deveria ter nossa repulsa simples, mas tentativa de entender – e entender não é concordar coma origem desta insensibilidade típica que escapa ao estrangeiro que vê o Brasil como “país hospitaleiro”. Sim, é hospitaleiro, a maioria dos turistas se encanta como nosso país, mas isto é uma faceta, há muito mais por conhecer da verdadeira “alma brasileira” e nem todos os ângulos são tão bonitos quanto propagado pelas campanhas de publicidade.

Décadas atrás, durante a Guerra da Bósnia, nos anos 90, quando eu ainda lia jornais feitos de papel, fiquei surpreso que a capital da Bósnia-Herzegovina, Sarajevo, em pleno conflito, organizava um concurso de miss. Ao ler a matéria, alguma das pessoas entrevistadas disse “nossa vida não pode parar”. Daí, quando leio, sobre o Brasil, país com a maior taxa absoluta de homicídios no planeta (16ª em termos proporcionais[2]) percebo que nós também estamos na mesma situação dos bósnios, pior ainda hoje em dia.

A situação da segurança pública no Brasil é um daqueles tópicos que ninguém diz ignorar sua importância, que todos dizem ser fundamental, mas que na prática, não se vê nenhuma ação efetiva, coordenada, exceto pelos governos estaduais. O controle das polícias pertence aos estados, membros da federação, mas não se vê um plano nacional. E, muitos dos que votaram no atual governo, votaram pensando que isto ocorreria. Aliás, só para constar, a taxa de homicídios brasileira vinha caindo,[3] mas aumentou 4% de dois anos para cá.[4] E quando se fala em queda, esta se deve, principalmente, aos governos do estado de São Paulo.[5]

Algo poderia ser feito? Poderia. Mas aí a competência dos entes federados neste quesito precisa ser reformatada, com ação de inteligência como obteve o governo do estado paulista. Antes ainda, isto precisa constituir um ativo político, algo pelo qual nossos legisladores lutem e sem demanda popular por isso, nada vai acontecer. O detalhe é que a demanda só vai existir quando a sensibilidade para a questão suplantar a indiferença reinante. Aliás, você já compartilhou alguma notícia sobre o atroz assassinato de Moïse Kabamgabe hoje?

Anselmo Heidrich

1 fev. 22


[1] Grupos armados no Brasil, máfias, que cobram por serviços prestados. Áreas dominadas por eles, normalmente, fogem à ação legal, como se fossem bantustões dentro de metrópoles brasileiras.

[2] Murder Rate by Country 2021.

https://worldpopulationreview.com/country-rankings/murder-rate-by-country. Acesso em 1 fev. 22.

[3] 30 por 100.000 (2017) para 27 por 100.000 (2018).

Cf. https://data.worldbank.org/indicator/VC.IHR.PSRC.P5?locations=BR [e]

https://www.statista.com/statistics/312455/number-homicides-brazil/.

[4] Homicides Increase in Brazil after 2 Years of Decline

[5] Reducing Homicide in Brazil: Insights Into What Works

https://www.americasquarterly.org/article/reducing-homicide-in-brazil-insights-into-what-works/#.YfkxWtLXBRY.twitter via @amerquarterly

Rússia vs. Ucrânia (parte I)

Uma opinião recorrente sobre a crise na Ucrânia é o tratamento dado à Rússia como uma herdeira da Revolução Comunista, sovietismo, etc. Não é isso, mas o sovietismo, comunismo etc. é que são manifestações de uma postura histórica do Império Russo através da expansão e domínio territorial.

Bem, isto não é exclusividade da Federação Russa, certo? Mas é nesse país que o ímpeto imperialista se manifesta na sua forma mais pura, melhor acabada, pelo menos em se tratando do Século XXI. Quando Putin define a dissolução da antiga União Soviética como uma “tragédia geopolítica”, do ponto de vista do conceito clássico de Geopolítica, ele não está errado. Afinal, se impérios uma vez cristalizados mantêm seus territórios sob domínio estável, sua desintegração os leva à períodos de instabilidade, o que significa guerras, genocídios, terrorismo etc.

Se pensarmos bem, ao longo da história, história esta no longo prazo e não apenas algumas décadas, tivemos maior tempo de existência sob domínio imperial do que através da constituição de estados-nação, cuja maioria destes vem do final da II Guerra Mundial até os dias atuais. Antes disso, os séculos mostraram uma sucessão de monarquias absolutistas, imperadores, césares, czares por onde passaram chineses, mongóis, russos, alemães, franceses, espanhóis, portugueses etc. E como poderia esquecer de romanos e britânicos? Persas, egípcios, mesopotâmios, indianos? Veja, não se trata de assumir que o mundo é apenas uma representação da “Lei do Mais Forte”, mas reconhecer que a força física guiada pela estratégia é o que decide, finalmente, quando os acordos se mostram inócuos.

Pois quando analistas guiados pela mentalidade um mundo institucional-liberal, com regras claras e consensos estabelecidos não têm mais repostas às contínuas instabilidades financeiras e contextos de crise aguda na economia asseverados por mudanças ambientais, bruscas ou lentas porém profundas, a guerra e a barbárie sobressaem. E daí o que temos? A força das armas. Muitos devem estar se perguntando que razão deve ter Moscou ao ameaçar um país livre e independente, como Moscou não se envergonha de seu passado comunista assim como Berlim tem do seu passado nazista? Mas a questão é que Moscou não glorifica seu passado bolchevique, em absoluto, ela quer é resgatar o domínio e segurança territoriais trazidos pela união constituída a força, não importa, mas que impedia que exércitos convencionais e armas estratégicas de destruição em massa chegassem a poucas centenas de quilômetros de sua capital.

É simples de entender que Washington nunca permitiria a instalação de armas de grande poder destrutivo junto às fronteiras mexicanas ou canadense, então por que diabos Moscou deveria fazer o mesmo com a Ucrânia? Veja que desde o fim da URSS houve movimentos sucessivos de avanço da OTAN rumo ao leste, com a Alemanha, Polônia, Romênia e outros e agora com a Ucrânia? Não, não é especulação, há acordos feitos de transferência de recursos para defesa ucraniana bem como treinos e colaboração para atuação em conjunto das forças armadas ucrânias junto à Organização do Tratado do Atlântico Norte.

Sim, o problema não é a integração da Ucrânia à União Europeia (UE), nunca foi isso, mas sim a ameaça física de extermínio de um país por uma organização criada para defender a Europa Ocidental da antiga União Soviética. Só que esta não existe mais, então por que manter a OTAN?

Manter a OTAN não é mais por necessidade de defesa, mas pela intenção de ameaça e, no limite, ataque. E antes que pensem que estou demonizando esta organização, saibam que sem ela outras tomariam seu lugar, basicamente, porque não existe vácuo de poder.

Anselmo Heidrich

01 fev. 22

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