Nosso governo conseguiu, por pura incompetência e falta de comunicação entre seus ministérios, jogar fora o que seria um acordo histórico para o desenvolvimento econômico brasileiro.
Muito se especulou sobre as consequências para a União Europeia após a saída do Reino Unido, o chamado Brexit[1], mas seus reflexos vão além desse Bloco econômico, em especial para países vizinhos como a Ucrânia. Além disso, o distanciamento do Reino Unido tem uma dimensão que não é meramente econômica, afetando a Segurança e a Defesa do continente.
A combinação de crise com o crescente euroceticismo[2], e a necessidade de maior rigor na proteção às fronteiras devido aos fluxos de pessoas e mercadorias, reacende e fortalece movimentos nacionalistas com uma base xenofóbica na Europa. Nesse contexto, países da chamada “periferia europeia”, o que inclui economias menos prósperas do Mediterrâneo, além da Europa Oriental, e fatores de stress geopolítico – como a guerra na Síria – obrigam Bruxelas a identificar prioridades para manter a integridade da União Europeia.
Em termos globais, as disputas comerciais entre Estados Unidos e China, as crises de pandemias por conta de novas doenças que surgem, como o atual Covid-19, e conflitos nas bordas do continente europeu, tornam a situação muito complexa para sugerir quaisquer previsões futuras. Para a Ucrânia, a necessidade de tecer acordos com novos parceiros globais, como o Reino Unido, agora separado do bloco europeu, é urgente. Com a considerada ameaça russa no leste do país, aliada às instabilidades da União Europeia, dividida entre se expandir criando um ambiente de integração e harmonia vs. sua necessidade de segurança e protecionismo, não é criada uma visão segura para a política externa ucraniana. Embora o Brexit seja um afastamento radical de uma organização de longa data e história, a União Europeia, os políticos ucranianos podem usá-lo a seu favor para desenvolver ainda mais as relações britânico-ucranianas, sobretudo para atração de mais investimentos ao país.
COMÉRCIO
O comprometimento como aliado do Reino Unido com a Ucrânia existe desde sua independência em 1991 e, provavelmente, será preservado. As regras comerciais, por sua vez, serão mantidas durante o ano de 2020, sofrendo alterações somente em 2021. Juntamente com Japão, Coreia do Sul, Arábia Saudita, Egito, Rússia e China, o Reino Unido é um dos mais importantes consumidores de alimentos mundiais, comprando mais da metade do que consome. Com sua saída da União Europeia, o Reino Unido poderá obter mais alimentos, particularmente, aves, milho, trigo, malte, sucos e mel da Ucrânia, sem os custos que eram impostos aos exportadores.
Como a União Europeia é um Bloco exportador de alimentos, com restrições à importação de produtos de fora, sua prioridade é proteger agricultores alemães e franceses. Dessa forma, o Brexit é uma grande oportunidade para que um país como a Ucrânia, exportador de itens agropecuários, possa ganhar mercado dentre os consumidores britânicos.
O Reino Unido absorve 42% das exportações metalúrgicas da Ucrânia, 18% dos derivados animais, 13% dos produtos agrícolas e 7,5% dos alimentos. A importação desses itens vai além do consumo humano, pois a criação de bois, cordeiros, porcos e a produção de laticínios, cerca de 2/3 do setor primário[3], dependem dos grãos ucranianos para fabricação de ração. Para manter os benefícios e ampliar o volume de trocas, ambos os países têm que agilizar seus acordos. Os ganhos de produtividade para os britânicos na produção de ração e laticínios apresentam grande potencial a ser explorado, sobretudo agora que as taxas aos produtos importados para proteção dos equivalentes alemães e franceses não irão mais existir.
As exportações da Ucrânia para o Reino Unido totalizaram US $ 580,4 milhões[4] até novembro de 2019 e as importações US $ 638,5 milhões[5]. Dentre os produtos importados pelo Reino Unido destacam-se minérios, como o ferro e derivados, caso do aço, além de milho, óleo e gorduras. Estima-se que o potencial total para negociar chegou a US $ 918 milhões[6], segundo dados de 2017, sendo que, no mesmo período, US $ 500 milhões[7] foram exportados, ou seja, há muito espaço para crescer. Segundo um estudo feito em 2017, o impacto econômico no comércio entre Ucrânia e Reino Unido com a assinatura de um Acordo para a construção de uma Área de Livre Comércio, com base em dados de 2013-2016, levaria a um aumento de cerca de US $ 0,5 milhão[8] em reduções e US $ 335 milhões[9] em cotas tarifárias.
Por outro lado, como a Ucrânia já está negociando com o Bloco europeu, a forma como se estabelecerá o comércio entre ela e o Reino Unido pode ser um obstáculo. As oportunidades criadas vão depender do formato final do acordo entre as partes. Se ainda não houver nenhum consenso entre Reino Unido e União Europeia, as relações comerciais entre ambos serão reguladas pela Organização Mundial do Comércio, com mais regulamentações e tarifas. E por mais estratégico que seja o mercado britânico, é importante que a Ucrânia não perca de vista o potencial de importação e consumo da União Europeia, que abarca mais de 440 milhões de habitantes.
MIGRAÇÃO
Um dos pontos chaves é a questão da migração. As novas regras para migrar ao Reino Unido devem ser efetivadas em 1º de janeiro de 2021. Dentre as mudanças mais drásticas está a atribuição de pontos para selecionar imigrantes que desejam trabalhar no seu território, o que pretende beneficiar a mão de obra especializada em áreas de maior demanda.
O antigo programa de isenção de vistos entre a Ucrânia e o Reino Unido se dava através das regulamentações da União Europeia e, necessariamente, sofrerá revisão. Como Kiev já tomou a iniciativa de liberar vistos para os cidadãos britânicos até 2021, agora espera por reciprocidade do Reino Unido.
UNIÃO EUROPEIA
Os britânicos foram aliados particularmente importantes no apoio à entrada da Ucrânia na União Europeia, que, agora, terá de procurar novos parceiros para atingir o objetivo de ingressar no Bloco. Independentemente da presença ou não do Reino Unido, o que dificulta o ingresso da Ucrânia se deve mais às crises geradas pelos casos recorrentes de corrupção e a guerra no leste.
Putin, Macron, Merkel e Zelensky, 2019
O combate à corrupção é um dos pontos nevrálgicos para participação na União. Em 2018, os parlamentares europeus adotaram uma emenda ao Projeto de Lei sobre Sanções e Lavagem de Dinheiro da Lei Magnitsky, que prevê o congelamento de bens e sanções para violadores dos direitos humanos. A formulação de políticas para os negócios e esforços no combate à corrupção são, praticamente, pré-condições para atração de investimentos britânicos ao país.
Embora o Reino Unido nunca tenha participado ativamente do grupo de discussões para a paz na Ucrânia, o chamado Formato da Normandia[12], sempre foi um aliado próximo, sobretudo após a anexação da Crimeia pela Rússia. No passado, Londres apoiou reformas promovidas por Kiev na modernização do Estado, agora Kiev vai precisar desenvolver a cooperação com outros países, demonstrando a capacidade de seu Ministério das Relações Exteriores.
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Notas:
[1]Brexit é um acrônimo para “British exit”, que significa, em uma tradução literal para o português, “saída Britânica”. A expressão se refere ao processo de saída do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte da União Europeia, após 47 anos como membro.
[2]Euroceticismo, diz-se do sentimento de ceticismo em relação aos propósitos, premissas e desempenho da União Europeia. Há neste movimento desde visões econômicas mais liberais contra as ordens e regulamentações do establishment burocrático europeu, até movimentos díspares, antiliberais, e nacionalistas saudosos de uma ordem política anterior e de matizes protecionistas e isolacionistas na política externa.
[3]Setor Primário da Economia corresponde ao setor mais antigo, extrativismo (mineral, animal, vegetal), agricultura e pecuária.
[4]3,021 bilhões de reais, no câmbio de 31 de março de 2020.
[5]3,323 bilhões de reais, no câmbio de 31 de março de 2020.
[6]4,778 bilhões de reais, no câmbio de 31 de março de 2020.
[7]2,602 bilhões de reais, no câmbio de 31 de março de 2020.
[8]2,6 milhões de reais, no câmbio de 31 de março de 2020.
[9]1,743 bilhões de reais, no câmbio de 31 de março de 2020.
[10]A Ucrânia se situa entre dois principais atores do cenário geopolítico e geoestratégico, a União Europeia/Otan e a Federação Russa, está muito mais próxima, não só geograficamente falando. Como um de seus principais aliados não se encontra mais na União Europeia, resta a Kiev costurar uma nova política externa que busque sustentação e crescimento econômicos. Uma parte disto se encaminha com os acordos feitos fora do continente europeu, seja com a Turquia, seja com Omã e, agora, com o Reino Unido. Se Kiev conseguir fazer o mesmo com Bruxelas, poderá ser um dos sócios preferenciais do bloco econômico, mas, nesse jogo, o difícil será não sofrer nenhuma influência contrária e indireta de Moscou, já que a Alemanha de Merkel e a França de Macron parecem cansar do cabo de guerra com o gigante do leste. Não se trata de uma opção fácil, pois a Europa também necessita muito do gás russo. Kiev tem pressa e a diplomacia ucraniana vai ter que ser ágil o suficiente para compensar qualquer possível perda com os europeus. A Ucrânia é um país com muito potencial econômico, dado por sua demografia, localização estratégica, recursos, solos etc. O que ela necessita é um poder de articulação para criar interdependências entre outros Estados dentro e fora da Europa. Sua autonomia, segurança e paz estão cada vez mais ligadas ao conceito de globalização.
[11] Nord Stream 2 é uma nova linha de transporte de gás da Rússia, através do Mar Báltico, diretamente para seus consumidores europeus. O projeto, implementado pela estatal russa, Gazprom, deverá ser concluído ainda este ano, 2020.
[12]Formato Normandiafoi um encontro diplomático entre os quatro representantes da Rússia, Ucrânia, França e Alemanha, para apaziguar a crescente guerra no Donbass. Levou esse nome por ocorrer em 6 de junho de 2014, paralelamente às comemorações do desembarque na Normandia.
HELSINKI(Reuters) – A Finlândia deixará a União Européia e se posicionará como a Suíça do Norte para proteger sua independência se Laura Huhtasaari, candidata presidencial do Partido Finlandês Euróceptico, tenha seu caminho.
Novo código de conduta da União Europeia recomenda aos jornalistas não publicarem crimes cometidos por imigrantes muçulmanos e não associarem o islã ao terrorismo. Big Brother de 1984 (G.Orwell) em plena ação… União Europeia pede aos jornalistas para não publicarem crimes cometidos por imigrantes muçulmanos | Renova Mídia https://shar.es/1MRbaj
Países europeus, sobretudo os da Europa Central, com menos recursos e economias menos dinâmicas, mas mais expostos à onda imigratória procuram se proteger das levas de refugiados e migração ilegal: Eslováquia, Hungria, Polônia e República Checa investem milhões para proteção das fronteiras da UE | Renova Mídia https://shar.es/1MRbGQ
Enquanto isso, a U.E. dirigida principalmente por economias mais poderosas como Alemanha e França querem enviar milhares de imigrantes para países pacatos como a Finlândia… Países da União Europeia querem enviar milhares de imigrantes ilegais para Finlândia | Renova Mídia https://shar.es/1MRbwX
Candidatos a presidência, como a finlandesa que defende a retirada do país da União Europeia não crescem a toa no continente. No centro do debate, a questão migratória (foto acima).
Entender o que se passa entre Polônia e U.E. é entender o dilema entre o nacionalismo das identidades europeias e sua integração político-econômica. E digo também ‘político’ porque nem sempre o carro chefe da integração é a economia, embora esta devesse ser de acordo com o que foi fomentado no antigo M.C.E. Como os atuais benefícios de se manter atrelado (e submisso) às determinações da U.E. não têm compensado tanto quanto outrora e o desafio que processos como o Brexit impuseram a mesma, mais um membro de peso, como é a Polônia divergir abertamente pode ser um duro baque pelo qual a organização irá ser julgada. E quando falamos em “nacionalismo”, especialmente no caso polonês não se pode esquecer da Igreja Católica, que naquele país não é uma simples organização não governamental, mas muito mais do que isto, atuando como uma verdadeira religião. E para quem conhece um pouco da história do país sabe que a Igreja esteve diretamente envolvida na resistência ao Nazismo e depois ao Comunismo. Sua atuação política é muito recente e forte. Portanto, não é simplesmente uma questão de não aceitar imigrantes e refugiados muçulmanos, mas o atual governo polonês põe em cheque a autoridade e ideologia reinantes na organização. Esta força religiosa-nacional-cultural pode representar uma guinada na tendência política atual no continente e aqueles, como a Alemanha que fazem coro à U.E. (na verdade influenciam-na) irão perder ao serem associados aos seus puros interesses econômicos em detrimento do bem-estar e segurança de outros povos europeus.
A Polônia é vista como um oásis contra o terrorismo dentro da Europa, mas por quê? Por que o país adota uma política extremamente restritiva (e declinante) com a entrada de imigrantes e, discriminatória, o que é seu direito, diga-se de passagem, contra os muçulmanos. Mas a política da União Europeia vai no sentido contrário, certo? De impor uma agenda em que todos seus membros abram as portas aos imigrantes, no caso, refugiados de guerra que hoje se tratam, sobretudo, do Oriente Médio, como Iraque e Síria. Não por acaso, daí que vem também uma minoria de “células terroristas” que ameaçam a ordem e a paz nos países que os acolhem com diversos benefícios (renda, emprego, moradia, estudos etc.). Que fique claro, mesmo que seja minoria, estamos falando de centenas, se não milhares, pois a entrada de refugiados se trata de milhões. Mas então por que a Polônia não se submete aos ditames da União Europeia? Podemos sugerir seu forte apego ao catolicismo, mas é mais do que isto: os poloneses têm uma história recente de luta contra um inimigo muito mais forte, a URSS e, hoje em dia, o mesmo se dá com a Rússia. Claro que a força material que obtém vem de um detalhe não menos importante: sua posição estratégica.
Neste artigo, Borderlands: The View Beyond Ukraine | Stratfor, George Friedman mostra as estratégias de curto e longo prazo a serem adotadas pelos EUA contra a Rússia. Muito interessante o papel de três países formando o novo “cordão sanitário” no leste europeu e oriente próximo, Polônia, Romênia e Turquia. O 1º e último são conhecidos por seu papel fundamental na contenção do poderio russo, mas me surpreendi pela guinada do 2º em direção ao ocidente. Outro país que reavaliou sua aliança recente com os russos, com relação ao transporte de gás pelo sul foi a Bulgária… Parece que as chances de Moscou buscar alternativas para reforçar seu papel de contrabalançar o poderio alemão e americano na Europa estão diminuindo mesmo. Mas, o autor deixa claro que Washington não busca o confronto e sim uma carta na manga, caso o confronto com a Rússia em solo ucraniano se acirre criando uma nova (mini-)guerra fria. Fica claro que o tempo russo é curto, que Moscou busca diversificar sua economia no prazo de 10 anos e, sinceramente, isto parece muito difícil. O que a Rússia oferece ao mundo além dos seus hidrocarbonetos e armas, dois negócios tipicamente sujos que mexem com governos e suas alianças espúrias?