Você apóia uma intervenção militar na Venezuela para depor Nicolás Maduro?
Em primeiro lugar, não tenho nenhum apreço por este sujeito e sim, asco. Mas não é disto que se trata…
Para apoiar uma intervenção, a primeira pergunta que se põe é:
1ª) Qual o grau de apoio INTERNO à grupos ou exércitos estrangeiros?
Parece óbvio que sim, mas a pergunta não foi respondida: eu quero saber o percentual de apoio ou uma mera estimativa. Porque, meu amigo, se não for significativo, por melhor que sejam tuas intenções, tu serás visto como um INVASOR.
Seguem outras questões derivadas:
2ª) “Matar o elefante é fácil, difícil é remover o cadáver”, já dizia Mikhail Gorbachov… Como vc pensa em administrar o país após invadi-lo e matar milhares (supondo que sejam poucos a matar)? Ou vc pensou que não haveria resistência?
Uma maneira mais branda de fazê-lo é obter apoio INTERNO, mas isto significa negociar com as mesmas forças (militares, sobretudo) que apóiam Maduro, para que elas o abandonem, que é o que Juan Guaidó tentou, sem sucesso fazer.
3ª) Qual o montante de recursos que se pretende dispender nesta empreitada? Sim, tudo custa, tudo tem custo e a ocupação pós-ataque é cara. Talvez seja bem melhor investir numa infraestrutura de defesa fronteiriça e para receber os refugiados de uma guerra civil que se avizinha.
4ª) Quanto ao custo comece pensando também na tecnologia militar. Embora o Brasil tenha um maior exército (até onde sei), a Venezuela conta com um aparato, principalmente aeronáutico melhor que adquiriu da Rússia, o que será essencial numa região desprovida de estradas. Como pensamos em invadir? Por terra que não será o caso. Quem pode fazer melhor, a partir do Caribe são os EUA. O que o país de Donald Trump tenciona fazer ou vamos entrar de cabeça nessa sem sentar a mesa no Pentágono? Por acaso alguém aqui joga xadrez? Quem quer ser o peão? Então, sem uma estratégia conjunta, como um plano de empresa, detalhado ponto por ponto é tolice entrar nessa.
5ª) Quer mesmo retirar Maduro do poder? Contratem assassinos e ponto. Mas lembre-se que só isto não basta, pois retirar Maduro não é retirar o chavismo, que permance vivo e forte matando e destruindo pessoas e a economia. Então, paralelamente aos planos de depor Maduro, as negociações com os militares, inclusive de anistiar assassinos que vinha fazendo Guaidó – o autodeclarado presidente interino da Venezuela – têm de continuar.
A situação do país não é confortável, nem para a oposição de Juán Guaidó, nem para Nicolás Maduro que se viu enfraquecido na útlima manifestação na semana passada. Inclusive, a repressão, em que pesem as cenas brutais de blindados esmagando pessoas, foi mais branda que em anos anteriores.
A Venezuela continuará sendo apoiada por lixos humanos como Gleisi Hoffmann e Lindbergh Farias do PT, assim como idiotas úteis que admiram um cínico como Mujica, ex-presidente do Uruguai quem disse que não deveriam ficar na frente dos tanques para não serem atropelados por eles, algo como “se não quer se estuprada não use roupas sexy…” Mas eu não importo com a opinião de babacas, eu me importo com a opinião de gente íntegra, mas mal informada: o que você pensa sobre isso? Lembre-se quantos anos os EUA ficaram no Iraque após atacar as tropas de Saddam Hussein em 2003? SETE ANOS. Agora se pergunte sobre o custo e imagine o que teríamos que gastar.
E uma última consideração:
Se tudo der certo, Maduro é deposto, os militares, pelo menos a maioria se convence de que têm de mudar de lado, a economia começa aos poucos a reagir, o que vc acha que pensarão os venezuelanos, milhares que tiveram parentes mortos por brasileiros? Os EUA estão longe dali, Maduro provavelmente estará morto, mas a fronteira será permanente e o contato conosco idem. Vc acha que isso não trará consequências?
Por fim, não sou um pacifista nato. Acredito que se desejo a paz, devo me preparar para a guerra, mas assim como nas relações pessoais, a violência deve ser o último recurso. E nem todas as fichas foram esgotadas nesse jogo macabro.
Ainda outra coisa: se a guerra é desejável, te aliste. Vá no lugar do teu e do meu filho. Isto é o mais honesto que se pode fazer.
A Síria é um país situado em uma das mais instáveis regiões do globo, o Oriente Médio. Sua concentração populacional está a oeste, uma franja de terra mais úmida do país e o interior é um enorme deserto que se estende ao sul, na Península Arábica. Mas não é qualquer deserto… Ele margeia o Golfo Pérsico que concentra 1/3 das reservas de hidrocarbonetos (petróleo e gás) mundial. Mas para enviar esta riqueza aos principais centros consumidores (Europa e América) tem que se circundar a península, passar por um estreito – Ormuz – que é estratégico e vigiado de perto por inimigos (Irã), costear o sul com vizinhos em pé de guerra (Iêmen), atravessar outro estreito – Bab-el-Mandeb – sujeito à pirataria somali e adentrar no Mar Vermelho para depois atravessar o Canal de Suez e só daí então conseguir entrar no Mar Mediterrâneo no sul do continente europeu onde estão alguns dos principais consumidores. Claro que tudo isto custa. A distância, a passagem pelo canal e os riscos embutidos nesta hercúlea tarefa sem considerarmos os “custos políticos”, i.e., manter governos aliados que tenham interesse na estabilidade regional e manutenção da integração comercial. Só que há um jeito mais fácil.
Seria um mamãozinho com açúcar se pudessem enviar a produção de hidrocarbonetos diretamente pelo deserto em dutos passando pela Síria até chegar ao Mediterrâneo Oriental. Mas se tudo fosse uma mera questão de logística e pagar a quem tem poder de cobrar seria bem menos confuso. Quando falamos em Oriente Médio não nos referimos apenas à vastidão desértica e seu subsolo. Há muito mais tipos de paisagens sobre a superfície, só que culturais… Descendo os rios Tigre e Eufrates (que nascem na Turquia) até sua desembocadura encontramos uma grande e fértil planície, a Mesopotâmia que foi berço de civilizações, como a Assíria. Formando um arco até o Rio Nilo dentro do Egito temos o Crescente Fértil que são dois grandes ecúmenos (regiões favoráveis ao povoamento) na região. Três grandes regiões monoteístas surgiram aí, o judaísmo, o cristianismo e o islamismo que mais tarde, por diferentes razões entrariam em conflitos. Também civilizações tiveram a região em seu bojo, os persas, os gregos e os romanos. O Império Romano se dividiu em dois e o Império Romano do Oriente sobrevive resistindo ao Império Islâmico, que se formaria mais tarde. Mas os católicos tentam recuperar esta área de onde teria surgido a sua religião. Mais tarde, provenientes da Ásia Central chegam os turcos otomanos e seu império domina o mundo árabe, norte da África e os Bálcãs no sudeste da Europa por 600 anos até a I Guerra Mundial. Quando esta finda, surgem países onde havia uma coesão dada pela força turca.
Pela primeira vez temos a Síria no mapa, assim como a Jordânia, o Iraque, a Arábia Saudita criados no em 1916, quando ingleses e franceses partilharam o território do Império Turco-Otomano. Como não podiam vencer os turcos sozinhos articularam uma aliança como os árabes que eram subjugados pelo império. A promessa, na verdade uma moeda de troca era a criação de um país para os árabes, a Grande Arábia. Mas o que ocorreu, de fato foi a partilha em vários países. Inicialmente o Iraque, a Jordânia e a Palestina pelos britânicos, a Síria pela França.
Vamos definir os fatores envolvidos, como toda grande população não há uma homogeneidade que faça uma maior união entre os árabes que sua própria língua. Isto pode ser básico, mas não é suficiente. Lembremos que a religião é um fator essencial na região e não há somente uma, mas três grandes religiões monoteístas, cada qual com sua visão de mundo, o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo. Embora vários países fossem criados, eles permaneceram divididos internamente entre grupos religiosos e suas subdivisões internas, as seitas, como foram os sunitas e xiitas dentro do Islã. Para melhor controle da situação e aliança com grupos locais, algumas dessas elites locais privilegiaram seus grupos étnicos. P.ex., xiitas na Síria e sunitas no Iraque.
Como sabemos, a região é riquíssima em petróleo, mas este não é o caso da Síria que, por sua vez tem um ótimo acesso ao Mar Mediterrâneo. Os grandes produtores voltados para leste, contrariamente vivem sob tensão entre rivais (Irã, Iraque, entre outros) com saída apenas pelo Golfo Pérsico e uma estreita passagem, o Estreito de Ormuz. Com a II Guerra Mundial, o ciclo do chamado imperialismo finda e as nações europeias enfraquecidas abandonam a região, mas plantando um problema, a criação de um estado polêmico, Israel. Quando abandonada pelos britânicos, Israel é atacada pelos estados árabes vizinhos. Próxima à Israel, Síria tem constantes golpes de estado e assim como a região se torna uma bomba-relógio. Justamente nesta época surge na Síria uma ideologia o Baaz que resgata o antigo sonho de união do mundo árabe, o panarabismo com ideias socialistas, mas com algo que a distingue de muito do que vemos hoje, a divisão entre estado e religião, isto é, a laicidade. Seguindo esta visão, Síria e Egito formam uma aliança e enquanto este nacionaliza (estatiza) o petróleo no país, Al Assad, pai do atual Bashar al-Assad se torna o chefe do estado baaz no país. Ao lado, no vizinho Iraque, Saddam Hussein, aquele mesmo que foi enforcado cresce em poderio, mas mantém suas diferenças e divergências com o país vizinho. Isto leva os demais países árabes a se dividirem em Baaz pró-Síria ou Baaz pró-Iraque. Em cena, que na verdade nunca tinha saído do ato, a velha Razão de Estado dá as caras, novamente. Em suma, não se trata de uma gritante diferença étnica, religiosa que inviabiliza a convivência entre os povos na região, assim como as diferenças religiosas, pois mesmo quando situadas distantes há o aproveitamento dessas para manutenção e expansão do poder dos organismos estatais. E mesmo no caso de uma ideologia laica criada na região, o Baaz, a Razão de Estado prevalece. Por essas e outras é que não é a teologia ou ideologia qualquer que explica isto tudo, a não ser como um elemento a mais. Mas sim a Geopolítica. Ela é que é o estudo adequado para entender a realidade em sua complexidade, como uma eterna luta pela conquista e administração do poder territorial como algo inerente aos humanos e suas agremiações políticas e sociais.
Agora estamos na Guerra Fria e a divisão geopolítica do globo fica clara, ou somos pró-EUA ou pró-URSS. Esta oposição se reflete em conflitos regionais, como entre árabes e israelenses com ataques no sul do Líbano, área estratégica entre Síria e Israel. Mas nesta luta não há apenas dois lados ou duas ideologias claramente antagônicas como muitas vezes aprendemos nos bancos de escola. Surge dentro da Síria um movimento de oposição ao regime, a Irmandade Muçulmana que manterá até 1963, quando ocorre um golpe do Partido Baaz. A oposição com força religiosa cresceu durante os anos 70 até que milhares fossem massacrados no levante de Hama, em 1982. Temporariamente apagada, as sementes dessa resistência iriam germinar mais tarde…
Agora lembremos a composição religiosa da região. A maioria dos árabes era (e continua sendo) muçulmana e esta se subdivide em dois ramos fundamentais, sunitas e xiitas, cujas diferenças remontam a época da morte de seu profeta, Maomé.[1] No caso da Síria, apesar de ser um estado laico, os governantes eram xiitas que representavam menos de 13% da população e mais de 70% da população, sunita. Um fato curioso é que os cristãos perfazem 10% da população do país. Enfim, os xiitas controlam a população através da administração e o exército.
Distribuição étnica na Síria
No ano 2000, Assad, o pai morre e o filho assume com muitas promessas modernizadoras na área social, econômica, tecnológica etc. que se seguiu a um período de intenso debate político. Agora lembre-se, que em momentos de abertura política de regimes autoritários (vide URSS no período Gorbatchov), a oposição que jaz adormecida mantém sua crítica e revolta contra o regime, latentes. Na menor chance de manifestação ressurgem com força e, geralmente, de forma caótica que leva a uma violência de um governo que vê na repressão pura e simples, uma instituição já consagrada. Como vimos, a repressão com milhares de mortos já era corriqueiro desde os anos 70. Por que agora em um “mundo globalizado” não iria ocorrer da mesma forma só por que celulares se tornaram mais acessíveis? É uma grande ingenuidade achar que o simples acesso a mercados internacionais torna a política mais civilizada e a cultura como um todo, automaticamente, mais compreensiva entre suas diferenças em qualquer lugar do mundo. O desenvolvimento nunca é homogêneo para todos e sem a percepção e administração que leve a cultura e geografia locais, não há sociedade que se estabilize.
No plano externo, o então presidente americano George W. Bush declara a Síria pertencente ao “Eixo do Mal” (juntamente com Iraque, Líbia, Cuba, Coreia do Norte e Irã). Isto leva ao isolamento do país e as negociações emperram. Novamente, Razões de Estado operam… Até outubro de 2015, o governo de Assad era apoiado por Rússia (que já detinha bases militares no país), por Irã e China. Todos esses países que a Europa chama de “oriente” (mesmo incluindo a Rússia nesse bolo). Aliados à oposição de Assad estão Estados Unidos, Reino Unido, França, Turquia e Arábia Saudita. A divergência entre estes grupos de países, o Ocidente e o chamado “Eixo do Mal” não é só pelo financiamento ao terrorismo. Sauditas, cujo país é um grande aliado americano também são acusados de ajudarem grupos terroristas e financiamento de mesquitas com mensagens claramente antiocidentais mundo afora e nem por isso sofreram qualquer tipo de boicote e nem poderiam, pois são os maiores exportadores mundiais de petróleo. A questão que leva a outro nível de complexidade regional é quem se opõe ao controle que vise facilitar a distribuição dos recursos energéticos que facilitam o consumo de seus principais importadores. Lembre-se que a Síria estava no caminho e agora, como herdeira das relações com a antiga URSS, uma aliada da Federação Russa.
Agora entram em cena outros agentes, não menos importantes, responsáveis pela inclinação do pêndulo geopolítico ora para as forças ocidentais (EUA, Europa Ocidental, Japão, Arábia Saudita etc.), ora para as orientais (Rússia, Irã e China): os curdos. Os curdos considerados o maior povo apátrida do mundo, que se distribuem entre Síria, Iraque, Turquia e Irã também começam a se manifestar no cenário político sírio, o que leva à repressão e mortes. Em 2011, como já devem saber começa a chamada Primavera Árabe, uma série de protestos que vai se estendendo por todos os países árabes em nome da democracia. O que tem que ficar claro é que democracia não é um ideal per se quando se trata de um regime político, mas um meio para se atingir certos ideais. A questão agora é saber quais seriam estes em países árabes? Uma coisa que chama atenção ao lermos editoriais politicamente corretos em defesa da democracia, que estão certos quanto ao método político é que não se perguntam qual o objetivo de muitos desses movimentos no uso da democracia: é por um estado de direito aos moldes ocidentais ou a instalação de teocracias que destituam regimes laicos e autoritários do poder na borda subdesenvolvida do mundo?
Duas categorias de países se formam na região, os que viabilizam processos de mudança através do regime democrático e os que sofrem repressão de seus governos, o caso da Síria. Esta se generaliza dando origem a uma guerra civil entre diversas facções. Quais são elas? Lembremos que uma minoria, xiita, laica e governista se opõe a uma maioria religiosa sunita, em que pese o fato de haver uma minoria laica na oposição, a grossa maioria tem fundamentação religiosa, como se pode averiguar no quadro abaixo:
Xiitas
Sunitas
Laicos
Islamitas
Islamitas extremistas
Governo Assad
FSA (Frente Islâmica)
“oposição”
Al Nusra
(al Qaeda
na Síria)
ISIS (EI = Exército Islâmico)
Obviamente que em meio a uma crise como esta surgem oportunistas, dos quais o ISIS é apenas mais um, que se alimenta do ressentimento da opressão aos sunitas, da visão do ocidente invasor, a identidade árabe e a mitologia de antigos árabes. O objetivo do ISIS impacta muitos. Pretendem construir um Estado Islâmico em todo o Norte da África e Oriente Médio, mas seus oponentes não se restringem a Assad ou o Ocidente. Lembre-se dos curdos, que têm organizações políticas, como o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (Parti Karkerani Kurdistan, PKK) perseguidas em muitos países, mas com ao tirar proveito da crise passaram a controlar o norte da Síria e eles têm recebido financiamento para lutar contra os insurgentes. Perseguidos por aliados ocidentais como a Turquia, os curdos também são inimigos de “inimigos maiores” dos ocidentais. Na confusa geopolítica do Oriente Médio, a máxima de que “o inimigo de meu inimigo é meu amigo” não funciona, pois o inimigo de meu inimigo pode ser meu inimigo também.
Aqui já podemos tirar algumas conclusões. Enquanto os impérios europeus existiram durante, a Síria como conhecemos há pouco mais de 70 anos. Claro que como toda ex-colônia não foi ela quem formatou suas fronteiras, mas isto também não deve servir de desculpa e causa única para todas as mazelas posteriores. Fosse assim, nós aqui na América Latina também deveríamos estar em ebulição civil porque houve imposição de linhas demarcatórias.
Para muitos analistas, a anatomia da crise política, social, econômica nas ex-colônias se resume ao seguinte quadro esquemático:
Necessidade de controlar o próprio destino
ZONA ESTRATÉGICA
Todos a querem
Impérios
Europa divide a região para controle
Países desenhados sem consulta à população
FRACASSO: Guerra Civil
A retórica ideológica embutida no esquema politicamente correto acima diz que todo povo deve controlar seu próprio destino, mas o que vemos é que “povo” é uma categoria vaga, melhor substituída por população que encerra um conceito meramente quantitativo ou sociedade, que compreende um conceito qualitativo não harmônico, isto é, que tem o conflito e divisão de interesses como premissas. Quando percebemos que durante estas décadas, a ideologia agregadora daquelas pessoas foi a laica, nacionalista e socialista Baaz, que só se manteve no poder graças a repressão nos perguntamos qual a densidade teórica do ideal de historiadores? Portanto, o relato histórico tem que ser descritivo mesmo ou não entenderemos mais nada. Quando substituída por premissas valorativas que nada mais são que juízos de valor pautados por frágeis ideais, só ficamos mais e mais confusos sem entender o que realmente acontece. Este é o caso da Síria, quando a retórica nacionalista é usada para apontar soluções esquecendo-se que foi justamente ela que levou à ruína da pouca estabilidade que existia.
Se este artigo serviu para algo espero que seja a resposta à pergunta “quem tem razão na guerra na Síria?” ao que direi depende. Agora, claro está que este relativismo analítico não deve servir como relativismo moral, pois se há algum valor que sirva como baliza absoluta aí está e é nele que devemos nos pautar quando dizemos que algo está errado, independente de qual lado, ideologicamente mais simpático venha a agressão. Evidentemente que numa guerra ocorrerão mortes, mas daí resta saber quem agrediu primeiro e de que forma nos levando a uma análise um tanto quanto tecnicista, mas necessária para podermos ter alguma posição (nem que seja a da neutralidade) neste bravo novo mundo tribal globalizado.
[1] Quando este morreu não deixou nenhum sucessor e seu primo e genro, Ali reivindicou a posse de profeta da religião e os califas, chefes-de-estados – os shiat Ali – “partidários de Ali”, mais conhecidos como xiitas assumiram que qualquer liderança religiosa só poderia vir da linhagem de Maomé. Seus opositores, os sunitas, seguem um documento que narra as experiências de Maomé, a Sunna e admitem como lideranças sucessores de outros califas além de Ali. Como se deduz, é uma luta por poder sucessório que vai além de qualquer teologia.
Quase uma década atrás escrevi este texto que, embora trata-se de outras situações e conflitos dizia muito sobre a perda de referência entre o que é certo e errado que nos domina. O fato de que uns chamem de “libertadores”, o que para outros são legítimos agentes do terror deve nos levar, no mínimo, a perguntarmos por que o conceito de justiça não é o mesmo universal. E creiam-me, o fato de me perguntar sobre isto não quer dizer que devamos relativizar tudo ao ponto de ficarmos inertes e apáticos sem qualquer reação, mas sim que entender por que as coisas tomam o rumo que tomam, por que o terror e a guerra ressurgem com força de tempos em tempos. Compreender não significa justificar, mas compreender para evitar e, talvez controlar.
Shhhhhh… Take a look in these eyes Do they look sincere?. Do you read my lips Do I make it clear? Bye bye so long, I don’t want you here…
Yeah, I tried to share your points of view If not all then maybe just a few I couldn’t win on a compromise I’d rather loose on my own ‘Coz I feel kind of good when I’m all alone And if I take a stand it’ll be my own Get out of my heart. And my mind.. And my home…
Os pontos de vista mudam assustadoramente, conforme o objeto avaliado. Em 1975 na Irlanda do Norte, grupos armados que chamaríamos perfeitamente de terroristas nos dias atuais, entraram em choque sem ter como alvo forças armadas britânicas, mas a população civil. Mataram mais do que os atentados à bomba em anos anteriores, mas dependendo do ponto de vista, eram “paladinos da liberdade” contra a opressão e o imperialismo. É difícil compreender uma cisão religiosa entre católicos e protestantes no século XX, em plena Europa Ocidental, mas ela existiu.
Organizações trabalhistas, sindicais costumam expressar apoio mútuo mundo afora, independente das condições políticas e sociais que vigorem em cada lugar específico. O único governo constitucional que contou com o apoio católico e protestante na Irlanda do Norte foi derrubado por uma greve do funcionalismo desencadeada pelo Conselho dos Trabalhadores do Ulster (UWC) em 1974. Mas, quem hoje em Hollywood se lembra de fazer um filme com alguma pobre família sendo vítima da ação sindical? Ora, sindicatos defendem o trabalhador, não é o que dizem? Se ajudaram a acirrar ânimos e disputas religiosas alhures é só um detalhe…
Nos anos seguintes, a guerrilha (ou seriam os terroristas?) católica e protestante continuou atacando civis indefesos de ambos os lados. O objetivo não pode ser limitado ao temor e terror trazido aos habitantes de pequenos vilarejos. Ele tem um subproduto desejável: a simpatia popular. Isto não diz respeito somente a conflitos religiosos. Diz respeito a qualquer movimento de massas em que a racionalidade não é prioridade. Quem ainda espera pela Razão não entendeu por que fenômenos bizarros como o Nazismo cresceram. Analogamente, seguindo o mesmo princípio, quando torcedores brasileiros no Pan gritam “Osama, Osama” estão manifestando o quê? Algo equivalente seria uma partida nos EUA com sua torcida gritando “TAM, TAM, TAM”. Simpático, agora?
Objetivos pressupõem racionalidade, mas os métodos contam com forte ingrediente de irracionalismo de massas. Mesmo que uma guerrilha rural não atinja diretamente seu objetivo explícito, ela atinge outro, tácito, o de bloquear as atividades produtivas do país trazendo um clima de ingovernabilidade. Foi assim na China de 1940, no Vietnã, no Camboja etc., o que não se atingiu na Malásia ou nas Filipinas graças à eficácia da administração civil. Não é a toa que estes são países que ingressaram antes no clube dos “tigres”, industrializados e exportadores. A China e o Vietnã também o fariam, só que bem mais tarde e, o paupérrimo Camboja só recentemente saiu de um mar de disputas entre guerrilhas.
Qual o clima político brasileiro, latino-americano em geral? Manifestações estúpidas e erráticas de uma torcida que “queima seu filme” para as Olimpíadas são, em parte, reflexo de uma administração que serve como espelho da sociedade. Não fosse por isto, como reeleger um governo claramente corrupto? Enquanto que teóricos da conspiração temem por nossa Amazônia, se esquecem do velho e presente inimigo interno. São minorias como o MST, como o MTST, como o MAB quem ganham terreno. Sim são minorias, mas são minorias que encontram eco em uma maioria apática. Desiludidos com as instituições se agarram no primeiro tronco flutuando em meio à inundação. Para onde vai? Provavelmente desaguar e ficar a deriva.
Em uma situação de ingovernabilidade, quem ganha apoio é porque mostra um mínimo de organização. Esta é a situação do crime organizado. E o comércio ilegal de armas apresenta sinergia com o tráfico de drogas, embora nossas autoridades até bem pouco tempo atrás o negassem. Se não há apoio interno, se busca fora. Este foi o caso do apoio externo a MPLA (Movimento Popular para a Libertação de Angola), a FNLA (Frente Nacional para a Libertação de Angola) e a UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola). Quem ganhasse, teria Moscou ou Washington, alguma capital européia ou Havana como aliada. Quando ouvirem falar em “guerras de libertação nacional” não estamos à frente de libertação alguma, quando lerem “República Democrática Alguma Coisa” é porque não se trata de democrática coisíssima nenhuma. E la nave va…
Tome as rédeas porque se não o fizer, outros o farão. Quando o governo indiano apoiou a independência de Bengala Oriental em 1971 (atual Bangladesh), o Paquistão acusou a Índia de intromissão e expansionismo, mas para os bengalis era uma luta justa. Ambas justificativas eram verdadeiras, mas cada lado enfatiza o seu ponto de vista, somente isto. O que mudou foi à utilização, mais maquiavélica, do apoio interno, pois ao invés de ocupar regularmente a região, a Índia fez uma ocupação “homeopática” só na medida que seus simpatizantes bengalis assim necessitavam para suprimir a oposição. Esse negócio de exército regular é mantido por poucos. Os EUA de George Walker Bush são um dos que estão na contramão da moderna estratégia geopolítica.
Para estudantes estrangeiros na Europa, como os que facilitaram a entrada e estadia de terroristas palestinos na Alemanha em 1972, o Welfare State contava menos que o Pan-Arabismo. E se fosse hoje, qual seria a reação? Consternação ou simpatia, ainda que parcial? É notório como a percepção acerca de um fenômeno social pode mudar ligeira ou amplamente no espaço e no tempo. Obviamente que a mídia, enquanto meio de expressão tem um papel nisto. O antiamericanismo, antiocidentalismo, anticapitalismo e tutti quanti têm um peso considerável nisto tudo. Terroristas ontem, “guerreiros da liberdade” hoje. Ou o contrário, em Rambo III, o personagem de Sylvester Stallone luta ao lado dos mujahedin contra os soviéticos em defesa da Liberdade. Após o 11 de Setembro, os EUA ao lado das forças do norte do Afeganistão atacaram uma facção dos tais guerreiros que formaram uma tal de Talebã. 1
Não se trata de uma massa amorfa e alienada pelo capitalismo, como poderiam afirmar Marx ou Bento XVI, mas principalmente de quem detém uma visão sobre o quê. Para os ultradireitistas, é sempre o comunismo internacional financiando as guerrilhas e o terrorismo, para a extrema-esquerda, a CIA está por trás de tudo, inclusive do atentado às Torres Gêmeas! Loucos e fanáticos não são vistos como o que são, loucos e fanáticos, mas como “manipulados” por forças ocultas, insondáveis. Se tais forças existem e têm atuação espasmódica, isto ocorre por que o caldo de cultura já existe. Mas, querer crer na onipotência de tais organizações secretas é demais. Elas seriam poderosas porque ocultas, secretas e tão, mas tão “insondáveis” que muitas das teorias conspiratórias andam totalmente explicadas pela internet…
Quais são os critérios morais que deveriam ser adotados? Deveriam ser supra-políticos, além de qualquer marco ideológico, no mínimo, mas não é isto que ocorre. Assim como muitos irlandeses viam o IRA como um bando de assassinos, outros descendentes de irlandeses na América viam-nos como bons garotos. Há aqueles que condenam Fidel, mas absolvem Pinochet e vice-versa. A violência e, no caso, a violência de estado se torna apenas um expediente, para se atingir um determinado fim. O “fim”, o objetivo último tudo absolve, tal qual a miragem de água numa estrada tórrida, que quanto mais nos aproximamos ela ressurge dezenas de metros adiante.
Mas, não é tão simples assim. O governo fantoche de Vichy na França tinha oposição sistemática de jovens guerrilheiros que não se renderam ao nazismo, que matavam o inimigo na clandestinidade. Seus métodos eram… Terroristas? Para os alemães na II Guerra, com certeza. Para franceses e ingleses, heróis. Dependendo do ponto de vista eram legítimos, se tomarmos “legitimidade” como uma manifestação de descontentamento frente um exército invasor.
E o separatismo? Acho que estamos de acordo que a Noruega ostenta elevadíssimo padrão de vida (muito antes do gás explorado no Mar do Norte), mas quem se disporia a apoiar sua separação da Suécia em 1905, exceto pelos próprios noruegueses? O mesmo não valeria para os sulistas norte-americanos em 1861 antes da Guerra de Secessão? Por que não? Iriam ficar mais pobres, valeu a manutenção da União… São argumentos ex post, não havia como saber à época. O interessante aqui é que alguns que responderiam afirmativamente em um caso, não o fariam em outro. O argumento moral se torna refém da política e nós o adotamos a todo o momento.
Se um movimento tem raízes populares, alguns podem argumentar que é, para o bem ou para o mal, legítimo. Mas, quando seus métodos consistem em difundir o terror a milhares ou milhões? E quando a extorsão através de seqüestros é tão freqüente e rotineira que se torna um fim em si mesmo?
Mas, que importa isto tudo? Há questões que são unânimes, como quando repudiamos atitudes autoritárias. Cheguei a ouvir que os atletas cubanos obrigados a voltar para casa pela ditadura castrista foram, na verdade, expulsos pela administração do PAN em benefício do Brasil! Há justificativas para todos os gostos… Fanatismo ideológico, teorias conspiratórias são, afinal, detalhes que embasam as percepções.
A conta-gotas, homeopaticamente, nos acostumamos ao terror e à tragédia. Terrorismo aqui? “Viagem”… PCC? Não chega a ser… Tragédia nos meios de transporte? Só se for em uma aeronave que não consegue frear, pois mais de 680 morreram só nas estradas federais em pouco mais de um mês e não nos indignamos de tão anestesiados que estamos pela loucura cotidiana. Tudo não passa de uma questão de ponto de vista. Se a violência for dada em doses homeopáticas, tudo bem.
Um bom acordo, diz o ditado, é aquele em que nenhuma das partes sai 100% satisfeita. Existe o preço do vendedor, o preço do comprador e o preço justo… Não. O que existe é o preço de mercado. É com a expansão do mercado e sua lógica concorrencial que as partes se tornam mutuamente dependentes e as guerras, paulatinamente, se tornam antieconômicas. No mercado interno e externo, as tragédias aéreas, terrestres diminuem. As empresas têm o ônus de investir segundo prioridades e, obviamente, a segurança virá em primeiro lugar sobre a estética de rodoviárias, portos e aeroportos que trazem uma vaga sensação de ordem e desempenho político.
No mercado político, os governos têm que se ater a políticas de estado. Se este têm o monopólio legítimo da violência, como já disse alguém, também têm a obrigação compactuada com segurança sobre a segurança, isto é, sua fiscalização. Trata-se de mais um ponto de vista, mas um ponto de vista baseado em custos e benefícios, não em uma miragem ou proselitismo político-partidário.
(1) Nem todo guerreiro anti-soviético constitui, necessariamente, o governo fundamentalista talebã. E nem os EUA poderiam adivinhar que parte deles, que foi financiada e apoiada para resistir ao avanço da URSS (tal qual fez a mesma contra os americanos no Vietnã) se tornaria um foco antiamericanista. Mais do que um movimento religioso, os talebãs tiveram origem e apoio no principal grupo étnico afegão, os patans.