Sim, Marx errou em suas predições. Mas, penso que este foi um erro menor. Explico-me: errar o futuro é comum à liberais, socialistas ou quaisquer que sejam as orientações ideológicas. “Especialistas em futuro próximo”, como os agentes de mercado não erram suas apostas nas bolsas de valores?
O problema também não é que seu erro foi proporcional a sua (enorme) pretensão, mas que (aí é que está), não existe esta firme distinção, como querem os heterodoxos, em ver um “Marx metodológico” (que se salvaria) do “Marx profeta” (completamente descartado). Penso que o erro que levou às pretensiosas predições reside no próprio método marxiano.
A teleologia objetiva da história, na qual Marx se baseava tinha um fim previsto, objetivo. Quantas vezes não ouvimos falar em “interesses de classe”? De onde achamos que vêm isto? Ora, os interesses não são estruturais, eles podem ser vários.
Não raro, os interesses da classe operária podem estar bem afinados com a elite empresarial, quando os ganhos destas redundam em benefícios à primeira. O que torna isto inviável no raciocínio marxiano? O fim aludido, no qual se chegará via contradição (estrutural) entre as classes. Por isto, as adversidades no transcurso histórico não passam de ocasos nos quais, a “tendência dominante” da “evolução da história”, leia-se luta de classes, se imporá.
Não se impôs. Foi o que se viu e, como bem demonstram as metamorfoses sofridas pelo movimento operário.
Outra característica que se alia a este finalismo histórico (a teleologia…) é seu aspecto funcionalista. Sei que alguns dirão se tratar de algo específico de uma escola americana de sociologia (Talcott Parsons) que nada teria a ver com o marxismo… Mas, eu discordo: o funcionalismo presente na obra marxiana tem a ver com um sistema fechado onde efeitos (outputs) produzem feedbacks que justificam os inputs, sendo os efeitos políticos nada mais que elementos intermediários do circuito.
Um exemplo corriqueiro do fucionalismo na obra de Marx, a que muitos chamam, desavisadamente, de “economicismo” (deturpando esta ciência… a economia) é quando uma instituição surge para atender as “necessidades do sistema”. O caso paradigmático a que me refiro é a religião que, numa leitura mais rasteira (althusseriana) é categorizada como mera superestrutura a “serviço do sistema”.
(Leitura vulgarizada que, no entanto, surgiu no próprio Marx.)
Ora! Se há situações em que a esfera religiosa justifica uma determinada situação econômica, há aquelas em que se opõe, claramente, às mudanças do mesmo sistema, ou seja, da própria economia. Se a religião fosse assim, tão “reflexiva”, não haveria porque existir tantas querelas entre agentes econômicos e as oligarquias com sua legitimação atemporal.
Não há determinismos grosseiros na realidade, como Marx quis enxergar.
Marx pode ter acertado (do ponto de vista empírico) em certas análises para sua época, mas errou redondamente na generalização para o futuro e também, naquilo que entendeu como sendo o passado da sociedade capitalista. Algumas de suas subteorias, como a da taxa declinante de lucros contém um raciocínio dedutivo pobre derivado mais de seu próprio wishful thinking do que um exercício lógico de contraposição e testes verdadeiramente dialéticos.
A paixão de Marx, evidentemente, ofuscou seu crivo crítico. Ele também descartou o papel fundamental do indivíduo na história. Dependendo do lugar que este ocupe na rede de relações sociais, sua ação pode ter um papel decisivo no decorrer dos fatos históricos, ainda superior do que certas ações coletivas de classe ou não.
A teleologia objetiva da história em Marx contém um paradoxo. Ela “explica tudo” de frente para trás, mas aquilo que ela se propõe explicar de modo explícito, o futuro tem nas possibilidades do acaso e da contingência históricas, o mais completo vazio. Enquanto a ciência procede de trás para frente, da causa para o efeito, o marxianismo faz, exatamente, o contrário ao pretender apontar o passado a partir do futuro. Como se este futuro tivesse já inscrito, de antemão, o que o passado, inexoravelmente, descobrirá de modo lógico, certeiro e irretocável, o chamado “devir histórico”. Mas, sem perceber neste passado, os imprevistos e criações históricas como o que são: opções e alternativas, plenos de dilemas.
Os maiores erros de Marx também são os mesmos de Hegel, de acreditar numa história sem sujeito (individual e de interações individuais), mas que desastrosamente debita um objetivo à história, como se fosse possível desvincular objetivos de sujeitos.
O assassinato de Moïse Kabamgabe amarrado e morto em um quiosque na Barra da Tijuca, após cobrar os salários atrasados, não é novidade para quem conhece a realidade brasileira, sobretudo as “leis não escritas” de certas áreas urbanas e rurais brasileiras. O caso passaria desapercebido, como mais um dentre tantos outros de barbárie explícita do cotidiano brasileiro, mas como se tratou de um imigrante congolês pode ter repercussão internacional. Espero que a justiça seja feita, mesmo sabendo que a área que trabalhava era dominada por milícias.[1]
O problema é com os brasileiros mesmo, que parecem amortecidos com sua história não contada, a história das relações interpessoais baseadas na ameaça, opressão e violência. Alguém está lembrado da menina Agatha Vitória Sales Félix, morta com um tiro nas costas em uma área de confronto na Favela do Alemão, Rio de Janeiro em 2019? O tiro, dado pela Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, gerou comoção dentro de um quadro onde os confrontos ceifam a vida de adultos e crianças, muitas vezes, por “balas perdidas”.
Anos atrás cheguei a ouvir de um casal economicamente bem sucedido aqui em Florianópolis, “não aguento mais ouvir falar em Agatha, Agatha, é só o que se fala na televisão”. A frase chocante pela insensibilidade não deveria ter nossa repulsa simples, mas tentativa de entender – e entender não é concordar com – a origem desta insensibilidade típica que escapa ao estrangeiro que vê o Brasil como “país hospitaleiro”. Sim, é hospitaleiro, a maioria dos turistas se encanta como nosso país, mas isto é uma faceta, há muito mais por conhecer da verdadeira “alma brasileira” e nem todos os ângulos são tão bonitos quanto propagado pelas campanhas de publicidade.
Décadas atrás, durante a Guerra da Bósnia, nos anos 90, quando eu ainda lia jornais feitos de papel, fiquei surpreso que a capital da Bósnia-Herzegovina, Sarajevo, em pleno conflito, organizava um concurso de miss. Ao ler a matéria, alguma das pessoas entrevistadas disse “nossa vida não pode parar”. Daí, quando leio, sobre o Brasil, país com a maior taxa absoluta de homicídios no planeta (16ª em termos proporcionais[2]) percebo que nós também estamos na mesma situação dos bósnios, pior ainda hoje em dia.
A situação da segurança pública no Brasil é um daqueles tópicos que ninguém diz ignorar sua importância, que todos dizem ser fundamental, mas que na prática, não se vê nenhuma ação efetiva, coordenada, exceto pelos governos estaduais. O controle das polícias pertence aos estados, membros da federação, mas não se vê um plano nacional. E, muitos dos que votaram no atual governo, votaram pensando que isto ocorreria. Aliás, só para constar, a taxa de homicídios brasileira vinha caindo,[3] mas aumentou 4% de dois anos para cá.[4] E quando se fala em queda, esta se deve, principalmente, aos governos do estado de São Paulo.[5]
Algo poderia ser feito? Poderia. Mas aí a competência dos entes federados neste quesito precisa ser reformatada, com ação de inteligência como obteve o governo do estado paulista. Antes ainda, isto precisa constituir um ativo político, algo pelo qual nossos legisladores lutem e sem demanda popular por isso, nada vai acontecer. O detalhe é que a demanda só vai existir quando a sensibilidade para a questão suplantar a indiferença reinante. Aliás, você já compartilhou alguma notícia sobre o atroz assassinato de Moïse Kabamgabe hoje?
[1] Grupos armados no Brasil, máfias, que cobram por serviços prestados. Áreas dominadas por eles, normalmente, fogem à ação legal, como se fossem bantustões dentro de metrópoles brasileiras.
Há uma consideração frequentemente ignorada por liberais ou socialistas que defendem a legalização: as externalidades negativas. É sobre elas que falo aqui, baseado em estudo empírico.
A epidemia de um novo vírus na China no final do ano passado (2019) e que logo se disseminou pelo mundo se tornando uma afetou duramente a economia da Ucrânia, além de causar um grande número de mortos. Como se trata de um vírus — o coronavírus SARS– CoV– — com alto poder de contágio, os sistemas de saúde de vários países ficaram sob ameaça de saturação. Isto fez com que diversos governos decretassem regimes de quarentena, ou até mesmo delockdown, mas, mesmo assim, cidades foram duramente afetadas, assim como regiões inteiras, seja na China, Itália, EUA, Brasil, dentre outros casos.
Evolução e reação à crise
O primeiro caso registrado na Ucrânia data de 3 de março, em Chernivtsi. A vítima de infecção teria voltado com a esposa da Itália, país onde houve um grande número de contágios, especialmente na região da Lombardia. Nove dias depois, que coaduna com o ciclo de manifestação dos sintomas, normalmente de 1 a 14 dias,ocorre o relato de mais dois casos em 12 de março, um dia após a quarentena ter sido decretada, e um dia antes do primeiro óbito. Quase três meses depois, o número de casos tem aumentado exponencialmente e as mortes já chegam a mais de 300.
A Ucrânia fechou suas fronteiras no dia 13 de março, também interrompeu o transporte público e em Kiev foi restrito a categorias consideradas essenciais, profissionais do setor de saúde, financeiro e supermercados. Atividades recreativas foram proibidas, assim como aglomerações com mais de dez pessoas, incluindo cultos religiosos. Estradas e metrôs também foram mantidas com funcionamento restrito e escolas foram fechadas e até mesmo a entrada em cidades.
O epicentro da doença é o oblast de Chernivetska, o que levou o Gabinete de Ministros da Ucrânia a introduzir o regime de quarentena, inicialmente por apenas três semanas. Até o dia 21 de março, o país elevou seus esforços designando 17.000 policiais no combate à pandemia e cerca de uma semana depois ainda se acreditava na hipótese de impedir a entrada do vírus em território nacional. Mesmo que isto fosse verdadeiro, não seria possível em um país conflagrado pela guerra na sua fronteira leste, em que tropas insurgentes apoiadas pela Rússia têm livre trânsito entre um e outro país. A Ucrânia adotou medidas de contenção fitossanitárias de seu lado, mas a situação é desconhecida onde grupos insurgentes em Donetsk e Lugansk controlam passagens para o lado russo.
Passados vinte dias após o primeiro relato de infecção trazida do exterior e o país já tinha sua primeira infecção doméstica, apesar de todas medidas de segurança adotadas. Por consequência, o Ministro da Saúde, Ilya Yemets, solicitou ao Verkhovna Rada que introduzisse o Estado de Emergência.
A discussão sobre o que viria a ser este estado de emergência se estendeu levando em conta as garantias constitucionais dos cidadãos. A adoção de regras para cumprimento de medidas de segurança durante a crise pandêmica é emergencial, mas tem que se basear na lei que fornece poderes adicionais às autoridades com certas restrições aos direitos constitucionais.
A partir do dia 23 de março, a Verkhovna Rada alterou a legislação específica para a vida dos cidadãos, das empresas e do Estado nas condições atuais, com:
· Introdução de restrições à exportação de suprimentos médicos;
· Adoção de benefícios fiscais;
· Moratória para verificações documentais e factuais;
· Estabelecimento do direito de funcionários ao trabalho remoto;
· Responsabilidade administrativa estabelecida pela violação das regras de quarentena com multa;
· Aumento da responsabilidade criminal por violação das regras e normas sanitárias de prevenção de doenças infecciosas e envenenamento em massa, com multa ou prisão. Se tais ações tiverem consequências mais graves ou mortes, a pena será de prisão por um período de 5 a 8 anos.
Nesta situação, três regiões ucranianas já foram declaradas em estado de emergência, Donetsk, Ternopil e Cherkasy, informou o primeiro-ministro Denis Shmygal. Recursos adicionais foram utilizados, como helicópteros sanitários para transporte de pacientes infectados. A capital, Kiev, adotou a limpeza do transporte público, mas também das próprias ruas, pontes e estradas. E, apesar de problemas iniciais com o fornecimento de testes para detecção do vírus por uma empresa ucraniana, um carregamento proveniente da China trouxe um grande lote dos testes, dispositivos de ventilação pulmonar artificial, máscaras médicas e outros recursos. Também, na esteira dessa cooperação internacional, o Canadá ofereceu ajuda ao governo ucraniano fornecendo equipamentos e suprimentos médicos, este foi o foco da conversa entre o primeiro-ministro Justin Trudeau e o presidente Volodymyr Zelensky, bem como ajuda à remoção dos cidadãos ucranianos que desejassem retornar ao seu país.
A contrainformação
Como a Ucrânia tem sido palco de disputas políticas internas e pressões externas, mais intensamente desde 2014, a pandemia foi aproveitada para ampliar a crise. Vídeos e informações falsas, as chamadas , foram propagadas com intuito de gerar pânico na população, como já aconteceu em uma pequena cidade, Novi Sanzhary, com manifestantes tentando bloquear o transporte de ucranianos evacuados da China.
Embora uma pesquisa realizada no final do mês de fevereiro mostrasse que 74% dos entrevistados fossem contra os protestos dos repatriados, apenas 11% estavam indecisos e ainda havia 15% que apoiavam este tipo de atitude.
As táticas de contrainformação, segundo fontes ucranianas anti-russas, atribuíam o vírus como sendo uma arma biológica criada pelos Estados Unidos, para desestabilização de instituições democráticas de outros países. O que é certo são os efeitos disso acirrando divisões e conflitos já existentes no país.
Suspeitas de corrupção envolvendo os testes necessários para detecção do vírus também afetaram a credibilidade do enfrentamento da crise pelo governo. Antes dos aviões com novos testes chegarem da China, se buscou utilizar os de fabricação nacional para, mais tarde, descobrir que se tratava de produtos de uma empresa sem qualquer experiência ou tradição no mercado.
Os efeitos na economia também são bastante disruptivos. Os preços dos medicamentos e utensílios médicos sofreram forte especulação, o que levou o presidente Zelensky a ameaçar com sanções quem resolvesse tirar proveito da situação.
Conclusões
Com mais de 13.600 casos confirmados até o momento, 340 mortes e com o agravante de o país ainda manter uma guerra no Donbass, o que só sobrecarrega mais ainda o sistema de saúde regional, a Ucrânia expõe suas fragilidades, seja pela contrainformação gerando pânico e revoltas, pelo oportunismo político da oposição, pelas suspeitas de corrupção, ou pela especulação nos preços de materiais básicos. Isso mostra que a batalha deste governo não tem sido apenas contra a pandemia.
Em recente nota, o Fundo Monetário Internacional( FMI) afirmou ter disponibilizado recursos para recuperação econômica da crise que sucederá à pandemia. São 50 bilhões de dólares para os países emergentes e 10 bilhões a juros zero para os países mais pobres (respectivamente, aproximadamente 286,23 bilhões de reais e 57,35 bilhões de reais conforme a cotação de 8 de maio de 2020). É o caso da Ucrânia no contexto europeu, a qual, aliás, já recorreu ao FMI para evitar uma recessão.
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Notas:
difere da epidemia em escala. Enquanto esta se trata de surtos de uma doença que se manifesta em diferentes regiões, a pandemia se instaura quando uma epidemia se estende a vários países e regiões. Embora já tenha existido outros casos, como a chamada “gripe espanhola” no início do século XX, a Organização Mundial da Saúde (OMS), fundada em 1948, considerou como pandemias, a gripe A (“gripe suína”), em 2009, e agora, a partir de março de 2020, a CoVid-19 (“causada pelo coronavírus”).
[2] Identificado o novo coronavírus como–CoV–2, a doença por ele gerada passou a ser chamada, oficialmente, pela Organização Mundial de Saúde (OMS), de CoVid-19, que significa Corona Virus disease (doença do Coronavírus), enquanto que “19” se refere ao ano em que foi descoberto, 2019, a partir dos primeiros relatos em Wuhan, na China.
[3] Quarentena [4] Verkhovna Rada[5] Conselho Nacional de Segurança e Defesa da Ucrânia[6] Até o dia 5 de março de 2020.,ou NSDC,é um órgão consultivo de Estado para o Presidente da Ucrânia. Trata-se de uma agência responsável pelo desenvolvimento de políticas de segurança nacional em questões internas e externas.diz respeito ao Conselho Supremo da Ucrânia, sede do Poder Legislativo unicameral e o único do país.é uma das medidas não farmacológicas de combate ao vírus, uma vez que não há procedimentos farmacológicos — medicamentos e ou vacinas baseadas em evidências com literatura científica robusta até o presente momento — para conter a CoVid-19 e sua transmissibilidade. Também chamada de distanciamento social, a quarentena tem como objetivo garantir que os sistemas de saúde tenham capacidade de absorver as demandas, com atendimento adequado em local apropriado. Portanto, para evitar sua rápida saturação é que se busca impedir a circulação de pessoas, o que aumenta os casos de contágio. O lockdown, por sua vez,é bem mais restritivo ao impor, por meio de decisão judicial, o bloqueio temporário de todas as atividades consideradas não essenciais para a manutenção da vida e da saúde, evitando, assim, a maior transmissão do vírus.https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=87672818
Imagem 2 “A situação atual da crise pandêmica na Ucrânia — Mapa do surto de CoVid–19 na Ucrânia– By ZomBear — Міністерство охорони здоров’ я України, CC BY– SA 4. 0” ( Fonte):
Imagem 3 “Evolução do número de casos, que aumentam, em relação aos novos testes aplicados — Testes e casos positivos na Ucrânia até o dia 5 de abril” ( Fonte):
O que é o “conservador brasileiro”? Você, certamente, já se deparou com essa figura, que tem algo de grotesco, algo de revolucionário (embora ele negue isso de pés juntos), mas que em alguns casos, dependendo da plateia, faz sucesso do mesmo jeito que não muito tempo atrás seu sobrinho no curso de sociologia da universidade pública fazia, de modo muitas vezes desagradável em encontros familiares.
Pois é, tenho ouvido dizer que o bolsonarismo criou esse tipo de gente. Ledo engano, meus caros, ledo engano. Aliás, esta avaliação incorre no mesmíssimo erro daqueles que diziam (ou dizem) que o PT criou o esquerdismo nas universidades, a ideologia de gênero nas escolas etc. Na verdade, foi exatamente, o contrário, o pensamento de esquerda que, se fortaleceu na ditadura, ironicamente, mas foi verdade, pois antes era só o marxismo, hoje são várias as correntes, se tornou um movimento crescente e legitimado pela repressão como se fosse algo sumamente necessário.
E, honestamente, era difícil fugir de seu apelo e sedução quando o outro lado só entendia a linguagem da força e brutalidade. Então, analogamente, o bolsonarismo é o resultado de anos de hegemonia e truculência na argumentação, falta de diálogo, uso de clichês como principal tipo de argumentação, ameaças, sim ameaças, por parte da militância nas universidades a quem fosse um simples dissidente, isso para nem falar dos opositores diretos. E, como se não bastasse, a violência legitimada intelectualmente nas universidades pelo conceito de “luta de classes” e pela dialética invertida (deturpada, na verdade) de que “as contradições internas da sociedade engendram sua própria destruição” levou a sua reação, inicialmente, moral, depois, racional e agora, política. Só que na mesma moeda, ou seja, com os mesmos vícios teóricos que se refletem na política, cujo primeiro sintoma é o aborto da verdade.
Repare nos símbolos, ícones usados por eles, bolsonaristas, que agora parecem predominar nas redes sociais (em parte porque o que vemos é uma bolha de internet, em parte porque eles usam robôs de disparos de mensagens). E símbolos, imagens falam mais rápido do que mensagens escritas, nas quais, com esforço e método, se pode detectar falhas e contradições. As imagens não, elas fazem o seguinte: te remetem diretamente ao que tu já queres expressar de modo sentimental, sensorial, sem ter que falar muito, mas com a clara intenção de chocar teu opositor. E é exatamente isso que se faz quando se simboliza um “conservador” com a imagem de um guerreiro, pronto para lutar, treinado para lutar, pronto para defender seus valores. Veja, ele não está lutando contra vícios políticos, ou o modo de funcionamento de um sistema disfuncional. Ele o diz, mas na verdade, sua imaginação vai longe, no tempo e no espaço e se vê como um cavaleiro empunhando uma espada, com elmo e escudo ostentando a insígnia do que chama de “cultura ocidental”. Embora, o que chamemos de “ocidente” seja um misto, uma pluralidade de influências e mesclas culturais em partes do globo terrestre de modo mais intenso e frequente num dado período da história. As partes dessa história e cultura que não lhe convém, nosso conservador que se julga defensor da cristandade, simplesmente, descarta como se fossem inexistentes. E não raro mistura as coisas, como a imagem de gladiadores, legionários, guerreiros pagãos em oposição ao islã, aos africanos, aos asiáticos (estes, reiterados pela atual conjuntura sinófoba).
Quando posto contra a parede, como estar defendendo um presidente que para sua sobrevivência e remota reeleição em 2022 faz acordos com a banda podre do Congresso, ele se sai com a esfarrapada desculpa de que “lutar contra o Comunismo é muito mais importante do que contra a Corrupção”, que esta é como vírus da gripe e aquele, como um leão. Sem perceber, é claro, que a gripe mata muito mais do que ataques de leões, também não se pode exigir coerência nas figuras de linguagem de quem, na raiz, já é incoerente por si só.
Antes de encerrar, um adendo, muitos grupos conservadores intelectualizados rejeitariam, in limine, minha visão do “conservador brasileiro”, o que merece uma explicação: a rigor, um conservador no Brasil é quase o oposto de um conservador, segundo sua tradição mais aceita teoricamente, de alguém que preserva a independência dos poderes e o estado de direito. Os Militantes A Distância, na sugestiva sigla que acabei de inventar, M.A.D., se prestam, quando muito, a uma versão limitada ao campo cultural, de preservação da família tradicional, monogâmica, uma certa visão religiosa, mas bem limitada ao Cristianismo e, por vezes, uma perspectiva criacionista em contraposição ao evolucionismo, identificando este, erroneamente, com o “progressismo” nos campos político e social. A pergunta chave e correta para mostrar quão anacrônico é ser um conservador no Brasil é “vamos conservar o que da política brasileira?” Com vocês, a resposta.
Florianópolis é tida (ainda) como uma das melhores capitais para se viver no Brasil, ok, mas eu não diria que seja uma das melhores cidades. As capitais brasileiras são, em geral, muito ruins. Digo, “em geral” porque se procurarmos por qualidades específicas, teremos cidades muito boas, como S. Paulo, p.ex., para a geração e obtenção de empregos, ou Curitiba, pela mobilidade etc.
Mas, quando se fala em Florianópolis, logo se pensa em “qualidade de vida”, seja lá o que isso signifique. O que temos aqui é uma população, relativamente, pequena para um sítio urbano grande, logo há espaços vagos entre seus bairros e distritos que são ocupados por áreas de preservação. Com seu relevo irregular, a maior parte do município se localiza em uma ilha – Ilha de Santa Catarina – que ostentam uma frondosa Mata Atlântica entrecortada por enseadas e suas praias. Pronto, acabaou aí… Acabou porque uma boa qualidade de vida requer espaços públicos, serviços públicos e uma boa mobilidade urbana e habitação.
Vamos por partes, quase não há praças ou parques e quando há se encontram concentrados dificultando o acesso por quem mais precisaria deles, cidadãos de baixa renda; serviços públicos se entendermos o SUS, comparado a outras capitais, é tido como bom, referência, mas se vermos o esgotamento sanitário, Florianópolis é pior do que muito país de IV Mundo, com um baixíssimo índice de tratamento, coleta, coleta de lixo seletiva que é “seletiva” para seus habitantes com poucos sendo atendidos; as escolas públicas são ruins, com alto índice de indisciplina, como na maioria do país (não é nossa exclusividade); a mobilidade urbana é, simplesmente, um LIXO. Quem mora ou morou sabe, S. Paulo, com toda sua frota flui muito melhor. Aqui se é refém das máfias dos taxis e ônibus, com motoristas de aplicativos funcionando nas zonas de sombra de baixa lucratividade e sem permissão para vans operarem para usuários comuns como operam, p.ex., no transporte escolar. E se funciona com segurança para crianças por que não funcionaria para adultos?
E a habitação segue o padrão do Rio de Janeiro, loteamentos irregulares sobem o morro como caramujos surgem após a chuva. Passados alguns anos, a situação é consolidada e nenhum juiz tira barracos de áreas de preservação. Barracos que vão melhorando até se transformarem em casas com qualidade razoável. É a gentrificação da periferia, fenômeno que a hipocrisia marxista impede que geógrafos e urbanistas entendam (ou procurem entender). Juridicamente, 85% de Florianópolis, a “capital do turismo do mercosul”, é uma grande favela. Não tem o aspecto, mas é o que é na prática.
Onde então encontramos um espaço mais justo e equitativo para o cidadão nesta cidade?
Segurem-se nas cadeiras.
No bairro mais elitista, Jurerê Internacional.
Vos digo porque…
Nele, qualquer um tem acesso a sua infraestrutura, não é impedido de utilizá-lo, facilmente se encontra vaga para estacionar, e há várias pracinhas e parques que enchem de usuários que vêm de outros bairros, justamente, pela carência nos seus. A questão básica sem a qual nada disso funciona, a segurança pública é ostensiva, com policiais educados que não te olham como se fosse um meliante.
E a razão disso é simples, como temos um país onde os serviços púbicos vão de ruim a péssimos, um bairro onde é garantido o direito de ir e vir (garantido na prática pela segurança), os instrumentos urbanos são de maioria privada e mantidos pelos moradores e, principalmente, comerciantes. A associação deles, Associação de Proprietários e Moradores de Jurerê Internacional (AJIN) é boa de briga e não deixa barato. Vai contra interesses que tentam prejudicar a moradia e convivência do bairro.
Mais do que a esfera privada e as leis de mercado, são a participação e interesse dos cidadãos locais que mantêm uma cidade aprazível e hospitaleira. Ou, pelo menos, parte dela…
Não é para menos que meus filhos foram em um bailinho de rua naquele bairro, assim como a maioria de seus frequentadores. Portanto, quando falarem com desdém desta área da cidade saibam que é, na melhor das hipóteses, por ignorância e, na pior, ressentimento e inveja.
Eu cresci numa periferia da zona norte de P. Alegre que, diferente do que a palavra significa hoje, era só uma área periférica e não deteriorada ou perigosa como pensamos. Muitas das coisas mostradas no vídeo abaixo não eram populares, motos para todo o lado, mas outras sim, como brincar e jogar bola na rua, festinhas na garagem etc. Note que o vídeo mostra um fragmento da população e daí pensamos que “antes era tudo melhor”. Enquanto esta parcela vivia feliz e sonhava com um futuro, mulheres com casamentos desfeitos davam a luz filhos de pais diferentes que, sem nenhuma estrutura familiar e emprego volátil tiveram seus filhos que tiveram os seus que tiveram outros, tudo no mesmo padrão sequencial. O resultado é isto que temos aí, uma bomba criminal demográfica. Não dava para imaginar? Claro que dava. Mas onde estavam nossos pesquisadores sociais? Fazendo política. Imagine uma equipe de sociólogos, geógrafos e demógrafos analisando uma série de mapas urbanos das grandes metrópoles e dados de fecundidade disponíveis associados à estrutura educacional, emprego, saúde e habitação por um período de 10 anos, não dava para imaginar a merda que viríamos a ter nos anos 90 e 2000? Dava e dava para prever tudo isso, minimizar ou, pelo menos, mitigar. É isso que os governos militares falharam, é nisso que a Nova República de FHC falhou, os que vieram antes também, foi nisto que os governos petistas falharam e é nisto que o atual governo da “nova era da caneta bic” também irá falhar. Nós vivemos só de retórica e falsas narrativas… Veja você, o que nos disseram os professores de esquerda “não dá para só crescer o PIB, tem que redistribuir”… Pois bem, fizeram isto e o que deu? Alguma satisfação sem crescimento profissional e autonomia individual frente as benesses estatais. Agora veja você o que dizem os direitistas sobre Cuba: “antes do Fidel era melhor” ou sobre a Venezuela: “antes de Chávez era melhor”. Sim, era! Mas não era bom também. A Venezuela vivia a hiperinflação com o crescimento absurdo de favelas, Cuba era só um prostíbulo para turistas com produção de rum e açúcar, nada mais, com a maioria da população vivendo alijada do conforto do século XX como se fossem servos da gleba. Claro que daí vêm os populistas, de esquerda, como Fidel, ou de direita que depois bandearam para a esquerda, como Chávez, e com suas “soluções” imediatistas e redistributivistas sem projetar o crescimento e a educação e pioram tudo. Lembre-se: veneno é quantidade. Enquanto as donas de casa americanas compravam livremente suas drogas nas farmácias décadas atrás não era problema, mas quando o vício se expandiu se tornando um surto de grandes proporções se passou a proibir a droga. O que eu penso com esses exemplos do passado é que, provavelmente, temos hoje fenômenos embrionários que não conseguimos enxergar e que em um futuro não tão distante serão vistos como epidemias, pragas, “doença social” e por aí vai. Foi o que aconteceu com a favelização que na minha época ficava depois da Av. Sertório na Zona Norte, mas sempre me chamou atenção como se fosse um outro mundo proibido e que: AS PESSOAS EVITAVAM COMENTAR. Não passaram 10-15 anos as submoradias já tinha penetrado como metástase nos “bairros bons” e hoje se expandem, metamorfoseando a cidade e levando o mercado imobiliário a se adaptar, com as pessoas mandando às favas os códigos de posturas e transformando suas habitações em mini-bunkers. É isso que temos pro jantar… Claro que no meio disso tudo, coisas boas nascem e podem melhorar nossa vida no futuro (o uso de capacetes, p.ex., cuja ausência no vídeo é mostrada com saudosismo, desenhos animados muito bacanas que existem hoje em dia que criam novas sensibilidades etc.).
Só sei que no futuro, ainda teremos pessoas como eu e tu olhando para trás, nesta época atual que vivemos e conversamos em redes sociais, dizendo “como em 2020 era melhor”.
Recebi um vídeo de um sujeito se banhando no rio, carinhosamente com uma onça. Não o publico aqui, tem seu nome e porque, evidentemente, se chegar ao seu conhecimento pode não gostar do que vou escrever. O que não seria problema para quem entende o português, mas como vivemos em uma época que se censura opinião por mera discordância e existem profissionais ávidos para lucrar com processos por supostos danos morais, não vale a pena o incômodo. Se vocês fizerem questão de ver, o que é até bonito, o cara brincando com ela, brincando brincando mesmo, sem malícia, basta pesquisar na internet.
Então, ao assisti-lo lembrei de Uma Paixão no Deserto, de Balzac, romance escrito sobre um soldado escondido numa gruta que se apaixona por uma pantera.
“O soldado perdido no deserto acha refúgio em uma gruta e consegue domesticar uma pantera pela qual sente alguma forma de amor. Como única companhia no deserto, o homem projeta emoções humanas na fera, com quem vive em miraculosa harmonia. Um dia, contudo, um gesto brusco lhe dá a impressão de que o animal vai devorá-lo e ele o apunhala. Ele se apercebe tardiamente de que o gesto era um sinal de afeição da parte do animal. O narrador é um homem que, um dia, encontrou o soldado. Ele conta a história a sua companheira.” (Wikipedia)
O romance (tem um filme também) é uma parábola da solidão e necessidade de amar, que te leva ao estado análogo da loucura. Como podemos ficar loucos quando estamos solitários e apaixonados, por mais bizarro que seja o ‘objeto’ para o qual o amor se destina. Loucos ao ponto de amar outra espécie de modo profano e ao ponto de só solucionar isto matando sua amada. Claro que esta leitura é minha, não sei se o próprio Balzac concordaria com ela ou algum de vcs.
Vi em filme isso, triste, o cara mata sua amada com uma facada. Imagine um filme desses produzido hoje no Brasil, com um secretário de cultura como o que saiu.
The reason why we have any liberty at all, and the reason why we have money left over in local government budgets to build and repair roads, impose mosquito abatement programs, and operate public schools is because most of the laws that are on the books are enforced rarely, and when they are enforced, they are enforced sporadically. It is in the background noise of unenforced laws that we find our refuge from the state.