O assassinato de Moïse Kabamgabe amarrado e morto em um quiosque na Barra da Tijuca, após cobrar os salários atrasados, não é novidade para quem conhece a realidade brasileira, sobretudo as “leis não escritas” de certas áreas urbanas e rurais brasileiras. O caso passaria desapercebido, como mais um dentre tantos outros de barbárie explícita do cotidiano brasileiro, mas como se tratou de um imigrante congolês pode ter repercussão internacional. Espero que a justiça seja feita, mesmo sabendo que a área que trabalhava era dominada por milícias.[1]
O problema é com os brasileiros mesmo, que parecem amortecidos com sua história não contada, a história das relações interpessoais baseadas na ameaça, opressão e violência. Alguém está lembrado da menina Agatha Vitória Sales Félix, morta com um tiro nas costas em uma área de confronto na Favela do Alemão, Rio de Janeiro em 2019? O tiro, dado pela Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, gerou comoção dentro de um quadro onde os confrontos ceifam a vida de adultos e crianças, muitas vezes, por “balas perdidas”.
Anos atrás cheguei a ouvir de um casal economicamente bem sucedido aqui em Florianópolis, “não aguento mais ouvir falar em Agatha, Agatha, é só o que se fala na televisão”. A frase chocante pela insensibilidade não deveria ter nossa repulsa simples, mas tentativa de entender – e entender não é concordar com – a origem desta insensibilidade típica que escapa ao estrangeiro que vê o Brasil como “país hospitaleiro”. Sim, é hospitaleiro, a maioria dos turistas se encanta como nosso país, mas isto é uma faceta, há muito mais por conhecer da verdadeira “alma brasileira” e nem todos os ângulos são tão bonitos quanto propagado pelas campanhas de publicidade.
Décadas atrás, durante a Guerra da Bósnia, nos anos 90, quando eu ainda lia jornais feitos de papel, fiquei surpreso que a capital da Bósnia-Herzegovina, Sarajevo, em pleno conflito, organizava um concurso de miss. Ao ler a matéria, alguma das pessoas entrevistadas disse “nossa vida não pode parar”. Daí, quando leio, sobre o Brasil, país com a maior taxa absoluta de homicídios no planeta (16ª em termos proporcionais[2]) percebo que nós também estamos na mesma situação dos bósnios, pior ainda hoje em dia.
A situação da segurança pública no Brasil é um daqueles tópicos que ninguém diz ignorar sua importância, que todos dizem ser fundamental, mas que na prática, não se vê nenhuma ação efetiva, coordenada, exceto pelos governos estaduais. O controle das polícias pertence aos estados, membros da federação, mas não se vê um plano nacional. E, muitos dos que votaram no atual governo, votaram pensando que isto ocorreria. Aliás, só para constar, a taxa de homicídios brasileira vinha caindo,[3] mas aumentou 4% de dois anos para cá.[4] E quando se fala em queda, esta se deve, principalmente, aos governos do estado de São Paulo.[5]
Algo poderia ser feito? Poderia. Mas aí a competência dos entes federados neste quesito precisa ser reformatada, com ação de inteligência como obteve o governo do estado paulista. Antes ainda, isto precisa constituir um ativo político, algo pelo qual nossos legisladores lutem e sem demanda popular por isso, nada vai acontecer. O detalhe é que a demanda só vai existir quando a sensibilidade para a questão suplantar a indiferença reinante. Aliás, você já compartilhou alguma notícia sobre o atroz assassinato de Moïse Kabamgabe hoje?
[1] Grupos armados no Brasil, máfias, que cobram por serviços prestados. Áreas dominadas por eles, normalmente, fogem à ação legal, como se fossem bantustões dentro de metrópoles brasileiras.
Há uma consideração frequentemente ignorada por liberais ou socialistas que defendem a legalização: as externalidades negativas. É sobre elas que falo aqui, baseado em estudo empírico.
Gosto das ideias liberais, mas não é por isso que vou colocar a busca pela verdade em suspensão. Certa vez li, de um conhecido economista que discute educação, defensor dos vouchers, menos estado etc., todos pensamentos que endosso, que a culpa pelo massacre em Suzano onde dois atiradores mataram cinco estudantes e duas funcionárias em março de 2019 teria a ver, inclusive, com a burocracia da escola (conferir imagem acima).
No caso, a escola era referência do bairro, a polícia agiu a tempo de evitar um mal maior, as merendeiras foram heroínas ao tentar salvar as crianças e, de mais a mais, mesmo em outros tipos de sociedades e modelos escolares, com gerenciamento local, menos burocracia etc., este tipo de tragédia ocorre.
É tão difícil assim ADMITIR que o impulso assassino atravessa modelos de administração não sendo causados por estes? Que existe transtornos mentais capazes de levar um indivíduo a matar por prazer e ser totalmente indiferente a dor alheia e que se vamos estender o porte de arma, temos que estar preparados. Isto quer dizer, nossas escolas têm de estar. Como? Esta questão tem que ser discutida antes de termos uma epidemia, pois não se enganem, décadas atrás, quando as drogas eram caras, quando só quem tinha grana comprava cocaína, não tínhamos metade dos problemas envolvendo a criminalidade de hoje em dia. Então, se ainda não temos mais massacres é porque as armas são caras, mas isto pode mudar.
Como eu disse, se formos estender este direito a todos, como querem meus colegas liberais, tudo bem, mas tempos que estar preparados e isto inclui catracas com detectores de metal, como nos aeroportos e treinamento aos funcionários de escola como, em tese, existe para incêndios (mas poucas empresas cumprem de fato). A partir e só a partir daí concordo com o porte, pois por enquanto me basto em defender a posse.
In the following paragraphs I reply to the BBC video linked below. The idea is to contrast with the argument that there are sufficient economic reasons to inflate the level of violent revolt at work in Chile. No, there is not, if there are reasons, they are not due to poverty or inequality. There is something else there …
When you say that taking only macroeconomic data such as GDP does not give a good picture of Chilean society, I agree, but it is not that complex to evaluate so-called ‘welfare’ objectively, for that we have the HDI and inequality as well. like poverty. This, you yourself showed the great drop of its index in the Chilean society, so it does not make the sense that the violent manifestations are on account of that. There is something else out there and that is the way society works … No, there is nothing “left behind it all” as the rightists want. Here, in Brazil, we also had the left taking advantage of the situation in 2013 and it wasn’t much further, by the way, the shot backfired with the impeachment that would come later. The difference between how civil movement works in Brazil and Chile has a lot to do with their history and how society in each country has learned from their governments. In Chile, as is well known, the repression was much broader and more incisive with the Pinochet government. No wonder students now react this way. Another important fact to bear in mind is that Chile, although so much praised here, is not as capitalist as we imagined, because if it were, its teachers would not induce these revolts. As long as we have societies where teachers are not examples of successful professionals, the mix of low wages with knowledge and ideology in everyday work, battalions of youth revolutionaries will leave the classrooms on the streets with Molotov cocktails in their hands and too many lies in the head. How do I know they influenced this? Now! If it wasn’t for them, do you think there would be such adherence of these student-activists? It is one thing for the poorer population to protest by the increased cost of transportation, quite another for college students.
Historically, when protests occurred in nineteenth-century Europe, the factory’s clock and your equipment were broken down, where the citizen was anonymous, a number in which he felt controlled and repressed in factories with a Taylorist management system, but after the Work environment changed in the post-war century. XX, the factories and the work environment humanized, unlike our cities … Note: in the past, societies were worse, but cities were cozy, today is the opposite, societies are much better (consumption, rights), but cities are oppressive and much of the violent reaction to this anonymous oppression that hits us occurs in the transit system. It is therefore not surprising that most conflicts occur precisely in and against the means of transport.
Protests in Chile: What’s behind the rage in “model” country
in America … https://youtu.be/u9ETR84qnCk
via @YouTube
Quando vcs falam que levar apenas dados macroeconômicos como o PIB não dá um bom retrato da sociedade chilena, eu concordo, mas não é tão complexo assim avaliar o chamado ‘bem estar’ de modo objetivo, para isso temos o IDH e a desigualdade, bem como a pobreza. Esta, vcs mesmos mostraram a grande queda de seu índice na sociedade chilena, então NÃO FAZ O MENOR SENTIDO que as manifestações violentas sejam por conta disso. Há algo mais aí e é o modo como a sociedade funciona… Não, não tem nada de “esquerda por trás disso tudo” como querem os direitistas. Aqui também tivemos a esquerda se aproveitando da situação em 2013 e não foi muito além, aliás, o tiro saiu pela culatra com o impeachment que viria depois. A diferença entre como funciona a movimentação civil no Brasil e no Chile tem muito a ver com sua história e como a sociedade de cada país aprendeu com seus governos. No Chile, como se sabe, a repressão foi muito mais abrangente e incisiva com o governo de Pinochet. Não é de estranhar que agora, os estudantes reajam dessa forma. Outro dado importante de se levar em conta é que o Chile, apesar de tão elogiado por aqui, não é tão capitalista como imaginamos, pois se fosse, seus professores não induziriam estas revoltas. Como eu sei que eles influenciaram isto? Ora! Se não fosse por eles, vocês acham que haveria tamanha adesão desses estudantes-militantes? Uma coisa é a população mais pobre protestar pelo aumento da passagem, outra bem diferente são os estudantes universitários.
Historicamente, quando ocorriam protestos na Europa do
século XIX, o relógio-ponto das fábricas e as instalações dessas eram
quebradas, onde o cidadão era anônimo, um número em que se sentia controlado e
reprimido nas fábricas com sistema gerencial taylorista, mas depois que o
ambiente de trabalho mudou no Pós-Guerra do séc. XX, as fábricas e o ambiente
de trabalho se humanizou, diferentemente das nossas cidades… Perceba:
antigamente, as sociedades eram piores, mas as cidades eram acolhedoras, hoje é
o oposto, as sociedades são bem melhores (consumo, direitos), mas as cidades
são opressivas e boa parte da reação violenta a esta opressão anônima que nos
achata ocorre no sistema de trânsito. Portanto, não é de estranhar que a
maioria dos conflitos ocorra justamente nos e contra os meios de transporte.
Cf. Protestos no Chile: o que está por trás da fúria em país “modelo” na Amé… https://youtu.be/u9ETR84qnCk via @YouTube
Vamos aos exemplos, nada melhor do que os exemplos:
Em agosto de 2018 a Califórnia ardeu em incêndios e o presidente Trump culpou a legislação ambiental por obrigar a desviar águas do estado para o Oceano Pacífico.* Até faria sentido, se fosse o caso… Na verdade, a utilização das águas serve a vários setores no estado californiano, inclusive como reserva para áreas naturais estratégicas e, em último caso, o que sobra é desviado para o oceano (verificar link da matéria citada na nota abaixo). Por fim, como “bom político” que é ignorou o que disse após ser corrigido e insistiu culpando o governador da Califórnia, Jerry Brown por desviar águas para o Pacífico. Ou seja, Trump é do tipo que pego no flagra continua negando até o fim, simplesmente negando e caluniando os demais.
Quando pensamos no “Trump brasileiro”, como gosta de se auto-denominar Bolsonaro, dá até para desconfiar que haja um assessor comum para ambos.
Bolsonaro, como sabemos, cogitou que ONGs pudessem ter ateado fogo na Amazonia e tudo que se sabe até o momento foi que, aliado ao período normal de seca para a região, produtores locais combinaram de provocar incêndios. Ao que um dos mandantes já foi preso sob esta acusação,* sem quaisquer envolvimentos com ONGs como foi sugerido pelo Presidente.**
Mas nós teríamos algum líder mundial que seja uma referência no tratamento a esta questão? Temos sim, ou melhor, tivemos e ele se chama George W. Bush, presidente dos Estados Unidos entre 2001 e 2009. Em eu escrevi o seguinte artigo para o site Mídia Sem Máscara:
Bushfire
por Anselmo Heidrich em 24 de janeiro de 2004
Resumo: Já faz algum tempo a notícia soava como escândalo, Bush quer cortar árvores para impedir incêndios e uma chuva de spams, mais tentando incendiar do que apagar a proposta do presidente americano se disseminou pela web.
Já faz algum tempo a notícia soava como escândalo, Bush quer cortar árvores para impedir incêndios e uma chuva de spams, mais tentando incendiar do que apagar a proposta do presidente americano se disseminou pela web. Ironias dos internautas como mais uma “solução genial de Bush”, associadas às contumazes “falhas” e “lapsos” de jornalistas eram algumas gotas no oceano de calúnias que se tornou comum em torno do nome de Bush.
Enquanto nossos jornalistas tupiniquins entendem que “podar” pode significar o mesmo que “cortar” árvores, para a engenharia florestal não é bem assim. Há uma sensível diferença entre cortar totalmente a árvore impedindo que ela cresça e poda-la nos galhos impedindo que um incêndio se alastre pela mata. Mas como se diz por aí, uma calúnia é como a cinza jogada ao vento que ninguém consegue agarrar:
“O presidente americano, George W. Bush, defendeu nesta segunda-feira seu plano de cortar árvores de florestas nativas (…)” e “nós devemos podar nossas florestas”
(AFP/notícias UOL, 11/08/2003).
Mas como o ambientalismo é cheio de contradições, não me surpreendeu quando lia Ecologia do Medo de Mike Davis, um professor de teoria urbana californiano e, claramente ligado aos movimentos da esquerda americana. O livro é basicamente uma crítica à especulação imobiliária da Califórnia Meridional, mas não deixa de ser coerente quanto à pesquisa factual. Independente das conclusões que Davis possa tirar, isto não me impede de utilizar seus próprios dados que, justamente, pela sua afiliação ideológica, me deixam a vontade para usa-los, ou seja, usar o veneno da esquerda contra ela própria.
Por que é importante ter um plano de manejo ambiental como proposto por Bush? Acho que os dados abaixo, levantados por Davis, falam por si:
TEMPESTADES DE FOGO EM MALIBU, 1930–96
Ano e mês Localidade Hectares Residências Mortes
1930, outubro Potrero 6.000
1935, outubro Latigo/Sherwood 11.554
1938, novembro Topanga 6.700 351
1943, novembro Woodland Hills 6.200
1949, outubro Susana 7.710
1955, novembro Ventu 5.106
1956, dezembro Sherwood/Newton 15.165 120 1
1958, dezembro Liberty 7.215 107
1970, setembro Wright 12.500 403 10
1978, outubro Kanan/Dume 10.100 230 2
1982, outubro Dayton Canyon 22.000 74
1993, novembro Calabasas/Malibu 7.500 350 3
1996, outubro Monte Nido 6.000 2
Total 1636 16
Mais pequenos incêndios aprox. 2.000
[Fonte: Registros do Los Angdes Fire Department.]
Tais dados poderiam ser negados por quem quer que seja como trágicos? Isto significa encampar a tese da destruição completa das florestas para manutenção das habitações? Não, pois não é disto que se trata, mas da simples poda das árvores embasada em técnicas de engenharia florestal para evitar desgraças humanas e compatibilizar um equilíbrio entre sociedade e ambiente.
Pode se observar nas fotos de satélite da NASA os últimos incêndios californianos em novembro passado:
Os focos em vermelho correspondem aos incêndios na fronteira amazônica entre Brasil e Peru de setembro passado que são bem, mas bem mais intensos que os fogos norte-americanos.
A origem desses fogos é a mesma que provocou o mega-incêndio de 1998. À época, nossa “sensata imprensa” noticiou que uma área equivalente à Bélgica, baseando-se em imagens de satélite que retratavam a fumaça. Se, é verdade o dito popular que “onde há fumaça há fogo”, não é verdade no entanto, que a extensão do fogo é a da própria fumaça. A área queimada na Amazônia brasileira foi enorme sim, mas não do “tamanho da Bélgica” e sim equivalente à área urbana da cidade de São Paulo. Também não foi verdade que este mega-incêndio ocorreu em área florestal, mas em savanas[1], o cerrado de Roraima (llaños, como são conhecidos na vizinha Venezuela), tendo se expandido para as matas posteriormente.
Os ambientes mediterrâneo do sudoeste americano e superúmido da alta floresta amazônica são muito distintos, necessitando de manejos distintos — a poda não seria possível em nosso caso. Mas o que se vê é uma falta generalizada de informação, pressa na apresentação dos fatos e dados e um “molho crítico” de um esquerdismo que beira a infantilidade. Se Bush propõe uma solução passível de crítica por técnicos e especialistas do setor, não se quer saber, pois ele pode levar algum crédito com isto. Se no Brasil, malgrado ano de El Niño, fenômeno climático que provoca anomalias climáticas globais, muito difundido e pouco entendido, coincide com a estação das queimadas, a culpa é totalmente do governo que não faz nada. Ou seja, a população local com suas técnicas arcaicas, num passe de mágica, é totalmente isenta de sua responsabilidade. E se as ONGs ambientalistas, líderes europeus, a própria ONU sugerem que a própria Amazônia brasileira (e dos países vizinhos) deva ser administrada por uma comissão internacional, nada parece indignar nossa incauta imprensa ávida pelo antiamericanismo que ajuda a engrossar._
O que nossos militantes cegos pelo ódio aos EEUU lembram? De uma mentira amplamente divulgada na internet, um conhecido hoax que volta e meia retorna, de um suposto livro de geografia escrito para o ensino médio nos EEUU que defende a Amazônia como área de controle internacional sob um projeto da ONU[2].
As queimadas (“coivara”) consistem numa ancestral e tradicional técnica indígena herdada pelos colonos pobres de preparar a terra para o plantio, inclusive de pastagens que devastam a biomassa. Não se trata de “grande capital” ou de “descaso da civilização capitalista”, mas de falta de adequação às técnicas de produção modernas e hipocrisia ambientalista que sustenta a exploração ambiental em moldes ultrapassados.
Talvez Bush tivesse alguma boa idéia para nós já que os próprios ambientalistas se perdem em informações falsas e análises tendenciosamente espúrias.
A “ guerra da água” está em curso na Crimeia. A península pode se tornar um deserto salgado, pois os moradores já enfrentam escassez de água potável. As autoridades do Kremlin culpam Kiev pela situação e a Rússia poderá preparar um ultimato para o desbloqueio do canal de fornecimento de água, caso contrário utilizarão a força para normalizar a situação.
Com a situação crítica na península, o consumo de água já caiu cinco vezes em 2016 em comparação com 2014, a área de irrigação foi reduzida em 92% no leste e indústrias e pesca sofrem. Seu abastecimento depende das águas do Rio Dnipro, através de um canal, o Crimeia Norte, que foi fechado pela Ucrânia após a “ ocupação da Crimeia” (para os ucranianos) ou “ reanexação “ (para os russos).
Quando foi construído nos anos 60 ao norte da península, o canal não teve suas margens muito povoadas, devido à aridez da região. Mas, com sua extensão pelo Oeste, na Península de Kerch, reservatórios d’água construídos trouxeram aldeias e cidades para as vizinhanças. Uma transformação sem precedentes ocorreu, com áreas irrigadas do canal triplicando a de fontes locais. Nos melhores anos, o abastecimento chegou aos 3 bilhões de metros cúbicos, mas, com a escassez de recursos dos anos 80, sua ampliação foi interrompida e projetos de resorts turísticos no Sul não saíram do papel.
A importância deste canal para a região é inconteste. Atividades outrora inviáveis como a piscicultura, jardins e vinhedos se tornaram viáveis. Até mesmo a rizicultura, que demanda muita água e, portanto, impensável para o clima árido da Crimeia, foi viabilizada. Seu desabastecimento, no entanto, já vinha ocorrendo antes da ocupação da península pelos russos, em 2014, o que não se deu por nenhuma alteração climática, mas por exclusiva falta de recursos, já que as estações de bombeamento dependem de eletricidade.
Antes mesmo do conflito ser instaurado, apenas 8 dos 23 reservatórios disponíveis foram completados com água. Claro que, depois da ocupação, a Ucrânia bloqueou completamente o canal, em abril de 2014, e o governo ucraniano ainda construiu uma barragem permanente no canal para evitar qualquer perda de água que, porventura, viesse a passar em direção à Crimeia, em 2015. A justificativa foi para aumentar a área irrigada do Oblast* de Kherson, ao norte da península.
Canal Crimeia Norte, parte do Rio Dnipro até o extremo leste na Península de Kerch.
As propostas de soluções russas, por sua vez, têm sido consideradas paliativas. Uma delas é o bombeamento de água subterrânea para a superfície, que está cada vez pior devido à concentração de sais minerais, processo conhecido por salinização do solo**. A intensa extração de água potável no passado também levou à substituição por água salina no subsolo. Anos de uso da irrigação geraram uma dependência, cujo corte repentino do fluxo de água teve consequências:
· Elevação do nível do lençol d’água subterrâneo nas áreas irrigadas, tornando os assentamentos nas proximidades sujeitos a inundações;
· Salinização do solo e poluição por fertilizantes e pesticidas das áreas que se tornaram agricultáveis após a irrigação;
· O fundo do canal foi revestido com placas de concreto que não foram suficientes para evitar o desperdício de água.
Outras soluções também são vistas como insuficientes, como o redirecionamento do rio local Biyuk-Karasu para o canal, a partir do sul da península, já que parte da água se perde no percurso devido à evaporação. Ou ainda a construção de outro canal, o Krai de Krasnodar, na Rússia, do outro lado do Estreito de Kerch, mas que também se trata de uma região árida, sem a quantidade necessária de água.
Há perdas na produção agrícola, com o abastecimento de água que é priorizado ao consumo humano, fábricas que precisam de refrigeração têm o risco de fechamento, hotéis e atividade turística também sofrem com prejuízos etc. Moradores locais já utilizam água salgada para parte de suas necessidades e o processo de dessalinização terá que ser adotado, apesar de caro.
Sem solução diplomática à vista, a crise política na península já extravasou para um conflito ambiental, uma vez que a dependência hídrica era garantida pelo abastecimento de água da Ucrânia, atualmente embargada.
A militarização da região devido à disputa, inclusive de reservas de gás e petróleo no mar territorial da Crimeia, tende a complicar a situação, antes restrita ao uso territorial como base de apoio ao controle do Mar Negro, particularmente pelo porto de Sebastopol. Por enquanto, a principal aposta ucraniana tem se limitado à busca de apoio na União Europeia e Estados Unidos, através da imposição de sanções econômicas.
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Notas:
* é uma divisão política e administrativa do território em países eslavos e da ex-União Soviética, equivalente aos nossos estados, ou a províncias.
** Salinização do solo: durante o transporte, os sais minerais dissolvidos na água são carregados para o solo e depositados nos horizontes inferiores — camadas mais profundas — do solo. No entanto, sem retorno do fluxo, a umidade do solo evapora e a concentração desses sais aumenta, prejudicando a atividade agrícola, outrora beneficiada e agora prejudicada pelo declínio da irrigação.
O Fórum de Segurança de Kiev, realizado anualmente na capital ucraniana desde 2007, é o único encontro do gênero na Europa Central e Oriental. Criado pela organização Fundação Arseniy Yatsenyuk “Open Ukraine”*, o encontro mantém discussões sobre a segurança nacional, no Mar Negro, na Europa e no mundo. Anualmente são reunidos políticos e representantes de think tanks europeus, americanos, russos e de países da região do Mar Negro. Seus objetivos são:
Estabelecer um fórum independente de discussão para tecer estratégias de segurança global;
Reforçar o diálogo e cooperação no domínio da segurança entre União Europeia e região do Mar Negro;
Impactar o processo de elaboração de políticas na Ucrânia.
Neste ano, nos dias 11 e 12 de abril, o 1 2º Fórum de Segurança de Kiev contou com um número recorde de participantes (mais de 1.000), dentre os quais funcionários do alto escalão do Estado Ucraniano, diplomatas e representantes de especialistas de mais de 20 países. Intitulado neste ano (2019) como “ Onda incansável: escolha estratégica da Ucrânia e do Ocidente”, o evento fez referência ao senador americano John McCain, grande apoiador da Ucrânia, falecido em 25 de agosto de 2018, que lançou livro homônimo. Arseiy Yatsenyuk, organizador do Fórum é explícito em relação a como enxerga a origem do problema de segurança nacional da Ucrânia: “Qualquer tentativa de encontrar uma plataforma de negociação com Vladimir Putin e a Rússia, sobre o fato de que ele parou a guerra, é uma quimera”. Na sua opinião, a Ucrânia deve receber armas de países ocidentais e ser incluída no sistema de segurança coletiva. O ex-presidente Petro Poroshenko ainda asseverou que se trata de uma luta pelo Estado ucraniano e se o futuro Presidente do país não traçar linhas claras, Putin entenderá como um convite à agressão.
Condoleezza Rice, ex–Secretária de Estado dos Estados Unidos, e Arseniy Yatsenyuk, criador do Fórum de Segurança de Kiev, 23 de setembro de 2007.
Condoleezza Rice, ex–Secretária de Estado dos Estados Unidos, e Arseniy Yatsenyuk, criador do Fórum de Segurança de Kiev, 23 de setembro de 2007.
Embora o Fórum tratasse da questão da segurança nacional, os processos políticos internos são considerados como parte integrante de uma mudança estrutural necessária. Valores coletivos, liberais e democráticos fazem parte da identidade nacional, da sobrevivência ucraniana, ponderouDanylo Lubkivsky, assessor do Primeiro-Ministro da Ucrânia (2014–2016). Em suas palavras:
Como o próprio Arseniy Yatsenyuk, o organizador do Fórum, declarou, “nosso caminho é democrático, efetivo, profissional e pró-ocidental” (grifos nossos), deixando claro sua posição anti-russa. E a posição de outros membros também tem sido pela expansão da OTAN na Europa. Hennadiy Kovalenko, vice-presidente de Operações Bilaterais de Cooperação e Manutenção da Paz da Ucrânia contestou a ideia de que as posições da organização nos Países Bálticos, na Polônia e na Romênia sejam suficientes para deter a Rússia. Para Kovalenko, “a Rússia só irá parar quando for forçada a parar, não antes”. Como deixou registrado em entrevista, Brian Whitmore, investigador americano da política russa durante o 12º Fórum de Segurança de Kiev sobre as estratégias do Kremlin para o Ocidente, sua posição é de que, independentemente de quem seja o Presidente da Rússia, “qualquer projeto imperial russo começa com a Ucrânia, mas não termina com a Ucrânia”. Whitmore também considerou que, à revelia dos resultados da política doméstica, a Rússia fará de tudo para manter a Ucrânia em sua esfera de influência, afastando-a de alianças euro-atlânticas e utilizando os clássicos meios de pressão militares ou aliança com oligarcas ucranianos e corrupção. A crise ucraniana, impulsionada por fatores internos, econômicos e os externos, mais especificamente a anexação da Crimeia e a intervenção e apoio russos no Leste, têm forçado a uma mudança no país.
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Nota:
* Fundação criada por “Arsen” Petrowytsch Yatsenyuk, Presidente do Parlamento ucraniano entre dezembro de 2007 e setembro de 2008, e Primeiro-Ministro da Ucrânia de 27 de fevereiro de 2014 a 10 de abril de 2016. Sua orientação é pró-União Europeia.
Tudo depende de ações de longo prazo e reformas estruturais, o problema é que isso passa pela ação política. P.ex., vivemos um momento histórico de transição, para uma economia mais livre, mas para tanto o Congresso, venal que temos, tem que agir cortando na carne, nem tanto dos parlamentares, mas de seus assessores e escalões inferiores do funcionalismo público de onde vem boa parte de seu apoio político através de ações clientelistas — troca de favores.
Neste ritmo de reformas lentas, graduais, de um passo para trás para conseguir dar dois para frente, espíritos revolucionários (tanto de Direita quanto de Esquerda) acham que nada mudará, mas se observarmos como uma simples reforma da previdência pode adiantar uma enorme quantia de recursos que pode ser investida na criação de infraestrutura (portos, estradas, aeroportos, redes de transmissão etc.) e consequente atração de investimentos (diretos e indiretos, em produção e meros investimentos especulativos), o cenário se modifica para quem observa.
A saúde é mais objetiva, pois seus indicadores são mais claros, é talvez o mais fácil de atingir, mas para isso, certos limites à expansão de serviços caros têm que ser estabelecidos (não dá para distribuir drogas caras em detrimento de leitos hospitalares, p.ex.); a segurança pública depende de expedientes legais e tenho que dizer que precisamos reduzir a tendência jurídica chamada de “garantista” que dá muitos benefícios, na verdade, privilégios aos condenados que os permitem estabelecer redes de contato que estruturam o crime organizado. Paralelamente, a defesa individual precisa ser garantida. Não é possível que em um país com cerca de 60.000 homicídios ao ano ainda se questione o direito à defesa (armada) do cidadão; a área educacional é a mais nebulosa porque o brasileiro mediano não a valoriza. Seja aluno de curso superior, que tem privilégios graças ao financiamento público para uma elite cursar a universidade ao pai de família da periferia urbana que acha que seu filho vai ganhar dinheiro e “fazer a vida” sem aquela “teoria chata” que “não serve para nada”. Isto se explica em parte porque o ensino técnico-profissionalizante do ensino médio foi abandonado e é neste nível de ensino que reside nosso buraco negro, em abandono e falta de direção pedagógica. Aliás, pedagogos são os responsáveis por criar teorias descoladas da realidade que pouco ou nada servem aos alunos. Se isto for questionado claramente, não vejo porque não nos tornarmos uma sociedade muito melhor em uma geração, cerca de 30 anos.