Ontem assisti ao show de Nei Lisboa no teatro do Centro Integrado de Cultura (CIC), em Florianópolis. Fui com saudosismo… Porto Alegre, Bomfim, Av. Oswaldo Aranha, toda atmosfera dos anos 80, mas não esperava o que assisti, não no grau que vi…

Eu já sabia da postura de esquerda do músico, não tão acintosa, mas o que vi e ouvi foi, praticamente, uma campanha para a presidência de Luís Inácio Lula da Silva. Calma, eu entendo sua repulsa à Jair Messias Bolsonaro, que também é a minha, um presidente que veio com o discurso liberal, mas tudo que fez foi garantir o conservadorismo dos privilégios, aumentando ministérios, fundo eleitoral e criando estatais. Acontece que o repúdio à Bolsonaro não deveria cegar ninguém aos erros técnico-administrativos, roubos explícitos e arrombos implícitos do estado brasileiro, nosso mercado e instituições praticado nas gestões petistas.

As letras intimistas falando de um passado e cenário de uma capital que se deteriorou em sucessivas administrações das prefeituras do PT deram lugar a uma ode ao imaginário do próprio partido que colocou uma pá de cal no estado gaúcho com os governos de Olívio Dutra e Tarso Genro. Sinceramente, não sei se o pior do PT é quando eles “agem certo”, sem roubar, lesar e desviar, mas conduzindo a economia para seu definhamento com políticas econômicas burras ou quando agem como “bons políticos latino-americanos”, com o selo da corrupção em forma de estrelinha.

E o público, de 50 anos pra cima, meus contemporâneos carregando um ou outro filho ou neto, em sua iniciação. Não vi nenhum “mal vestido”, com roupas baratas ou velhas e, pra dizer a verdade, tinha muita dona ali com roupa de grife de lojinha de shopping, que só encontra nelas mesmo. Pra quem não entendeu, roupas caras. Isso mesmo, a galera que ficava berrando “revolução!” no meio do show adora uma marca exclusiva fabricada sabe-se lá onde no extremo oriente, em algum “novo tigre asiático” onde o capitalismo fincou seus pés, mas etiquetada por aqui para pagar mais caro e assim, se distinguir do coletivo. Eu chamaria de hipocrisia se soubesse da sua intencionalidade, mas como sei que a maioria nem tem a mínima ideia de sua contradição chamo de burrice mesmo.

Do centro cultural de Porto, que é o Bomfim, carinhosamente chamado de “Bomfa” pelos “magrinhos” (jovens, mas agora anciões) de Porto Alegre veio a nata, cuja grossa parcela inunda os corredores dos departamentos de Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que naquela noite amassaram as poltronas acolchoadas do teatro para elite intelectual criticando a excrescência política que é este bizarro governo Bolsonaro, mas esquecendo que não fosse justamente por ele, o natimorto PT dificilmente voltaria à cena política nacional. Em certo sentido, Lula deveria erguer uma estátua para Bolsonaro, por este ter sido seu principal cabo eleitoral. Na verdade, um não existe sem o outro. E, enquanto este circo se descortina, a inflação galopante, desindustrialização, burocracia, sanha legislativa e carga tributária atuam como placas tectônicas esmagando todo resto de esperança que ainda existe para ver este país dar certo ainda em nossa curta expectativa de vida.

Ao terminar o show, o significativo símbolo do “L”, de “Lulalá”, em contraposição à “arminha” do Presidente da República, este que ora acende uma vela para o deus evangélico da igreja “Templo é Dinheiro”, ora acende outra para o Belzebu do Congresso Nacional. Quando vi esta cena caiu minha ficha na hora, “esta é a história que irá ficar”, cantada pelo sentimento de rebeldia infanto-juvenil por Srs. de próstata inchada e Sras. com calorões em plena menopausa. Eles irão resistir, pois em plena conjuntura insana do “cancervadorismo” se reúnem como fiéis, como cristãos nas catacumbas do Império Romano, como muçulmanos sob ataque da coalizão ocidental, como batalhões de ucranianos sob chuva de mísseis hipersônicos russos. Todos os ataques serão rápidos e caros, mas a miséria contínua desse continente sem luz manterá a chama da fé irracional em um estado gigante com seu salvador da pátria de Garanhuns.

No fundo o que mudou? Talvez o i-Phone que os espectadores usem e troquem no ano seguinte, mas o princípio do coronelismo, enxada e voto irá perdurar por séculos, pois quando uma elite ainda acredita no socialismo querendo repartir sem aumentar a produtividade e sem perseguir e enjaular o corrupto, que dirá o povo? Este, eterna massa de manobra, se vendeu pelo Bolsa-Família em passado recente da mesma forma que agora o faz pelo Auxílio-Brasil. Ah! Também não podemos esquecer da “valorização da educação”! Em contraposição aos esquemas de toma-lá-dá-cá de pastores-ministros que condicionam verbas da educação às prefeituras que construírem igrejas, nós teremos várias semanas e eventos contra a heteronormatividade e a favor da decolonialidade para uma massa de jovens constituídas por analfabetos funcionais que lê muito… legendas de vídeos curtos no instragram.

Talvez em algum século daqui para frente possamos assistir ao “Adeus, Nei!” da mesma forma que assisti à “Adeus, Lenin!” em 2003, genial película mostrando o desencanto de uma geração com o socialismo no leste europeu onde, entre outras emblemáticas cenas, um garoto procura bugigangas em meio ao lixo e se depara com um pôster de Che Guevara jogado fora. E ele joga mais longe ainda.

Cansado após um dia intenso, onde algumas poucas músicas que não falavam de política direta ou indiretamente realmente valeram a pena, cedi passagem aos outros devotos do passado que sorriam extasiados pela audição e visualização de um futuro que reforçasse sua fé em um presente que nunca aconteceu. Também esperei que saíssem do estacionamento, com seus Jeeps, Toyotas, Hyndais e Hondas, todas marcas que seu tão sonhado socialismo jamais imaginou criar e oferecer a uma massa de burros mal agradecidos.

Dr. Marulk

7 jul. 2022

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